Poder público não pode suspender alimentação escolar
Leitores do Jornal A Tribuna
Proclama nossa Constituição Federal de 1988 que o dever de estados e municípios com a educação será efetivado, dentre outras obrigações, mediante a garantia de fornecimento de alimentação ao educando.
Trata-se, evidentemente, de disposição afinada com o princípio universal da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (Art. 1º, III).
A Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, ratificada por 196 países, inclusive o Brasil em 1990, determina que os seus Estados-signatários devem combater a desnutrição infantil, inclusive no contexto dos cuidados primários de saúde, mediante o fornecimento de alimentos nutritivos e de água limpa de boa qualidade.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional preconiza que o direito à alimentação escolar e à educação alimentar e nutricional é direito sagrado de nossas crianças.
Posto isto, não há dúvidas de que todo o ordenamento jurídico brasileiro determina, assim, que estados e municípios são obrigados ao fornecimento contínuo e ininterrupto da alimentação escolar à criança carente, mesmo durante a pandemia.
Não se trata de ato discricionário, favor ou marketing político do agente público, é obrigação legal, sob pena de incorrer em ato de improbidade administrativa.
A eventual suspensão ou interrupção das aulas presenciais pelo Poder público de nenhum modo afasta ou diminui sua responsabilidade pelo fornecimento da alimentação escolar.
A suspensão ou interrupção das aulas presenciais, a par de acertada medida de enfrentamento à Covid-19, não elide a fome. E, para muitas crianças brasileiras, a dor da fome diária é implacável, cruel, não descansa. A escola é a única e última esperança desses pequenos famintos. A “tia” da cantina, o caldeirão industrial pronto para ser servido, é símbolo de vida e esperança dessas crianças pobres.
Desnecessário dizer da crise de desemprego e precarização do trabalho que castiga impiedosamente o País. Seja por conta da pandemia de Covid-19, seja por conta de equivocadas políticas públicas de distribuição de renda e de enfrentamento da pobreza, o número de famílias brasileiras sem condições de obter recursos necessários para viver aumenta a cada dia. Nossa população de rua é a prova dos nove dessa realidade.
Certamente a morte de nossas crianças por fome não pode se tornar política pública de enfrentamento à pobreza e marginalização. Deixar alunos carentes sem ter o que comer, privados da alimentação escolar diária, desconstrói o ideal de uma sociedade livre, justa e solidária.
Em última análise, revoga o princípio da prioridade absoluta, ainda insculpido na Lei Maior (Art. 227): “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. A fome não pode esperar!
CARLOS EDUARDO RIOS DO AMARAL é defensor público.
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