O ano de 2020 serve para repensar a legislação criminal
Leitores do Jornal A Tribuna
Por que a sociedade tem sofrido tanto e está adoecendo e sendo consumida pelo sentimento de injustiça? É certo que a legislação penal carece de ser atualizada, especialmente por quatro motivos.
Primeiro, em razão da gravidade e consequências dos crimes. Segundo, pelas novas formas de se praticar ilícitos. Depois, pelo aumento na expectativa de vida e, por fim, pela pena imposta e o efetivo tempo de encarceramento e sua forma de cumprimento.
Essas questões tornam-se ainda mais visíveis por conta de 2020, um ano em que a pandemia parou o mundo. Mais do que matar pessoas, destruiu economias e famílias. Reputações e honras foram atacadas, mulheres, adolescentes e crianças foram humilhadas, agredidas e violentadas sexualmente.
A Covid-19 provocou muito mais do que um isolamento social e mortes por doenças respiratórias. Demonstrou a face mais violenta de muitos homens.
Nunca se praticou tanta violência física, psicológica, patrimonial e sexual contra mulheres. Nestes casos, as consequências poderão se prolongar pelo resto da vida de cada uma das vítimas. 2020 deveria ser um ano para que as famílias convivessem de forma harmoniosa, para se estreitar os laços, para se “matar a saudade”.
Mas a violência marcou a vida de muitas mulheres, de adolescentes e até de crianças. Em muitos casos, o agressor nem foi descoberto, em outros permanece solto, causando mais dor, impondo pânico, sensação de insegurança e, muito mais do que isso, “enfiando goela a baixo” o sentimento de injustiça.
Nestes casos, não há de se falar em injustiça, pois a Lei não é falha, haja vista que é aplicada pelo Poder Judiciário segundo a nossa vontade. Afinal, é elaborada pelos nossos representantes eleitos, nossos senadores e deputados federais, exatamente dentro do que o texto legal estabelece, na medida definida para a imposição das penas e sua forma de execução.
Falo do tempo de condenação determinado pelo magistrado quando da prolação de uma sentença condenatória não é real, posto que a Lei de Execuções Penais prevê uma forma diferenciada de se cumprir a condenação/pena. Assim, a justiça foi feita, porque a Lei foi cumprida.
Mas o sentimento de injustiça persistirá, pois a legislação não reflete o interesse e nem o sentimento social, posto que crimes gravíssimos, que trazem reflexos para o resto da vida das vítimas, têm pouca ou consequência jurídica real na vida dos criminosos. As penas são brandas e não guardam proporcionalidade com a gravidade do delito praticado. Mas a justiça foi feita.
Enquanto leis forem elaboradas para serem interpretadas de acordo com o momento político e jurídico, pensando somente no caráter pedagógico da pena, sem pensar de fato em punir o criminoso, não haverá segurança social, pois o tempo real de cumprimento de uma pena não será proporcional ao mal causado à vítima.
Este ano traz a reflexão de que é necessária uma revisão geral nos tempos mínimo e máximo das penas por crimes, de forma que o criminoso venha a ser retirado da sociedade por tempo suficiente e proporcional ao mal que causou. Só assim o sentimento de injustiça irá doer menos.
Flávio Fabiano é advogado criminalista e especialista em criminologia.
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