Possibilidade de morrer em casa
Dr. João Evangelista
O cerimonial da morte foi mudando ao longo dos tempos. Atualmente, ela vem sendo elaborada com discrição, transferindo seu local dos lares para os hospitais. Isso modificou o processo da morte, que se tornou mecânico e desumano.
Na maioria das vezes, morrer torna-se um ato solitário e impessoal. Hoje, o paciente é removido de seu ambiente familiar, alterando a forma de se lidar com o adoecimento e com a morte, como ocorria nos tempos anteriores, quando o moribundo permanecia em casa, com seus entes queridos ao redor do leito.
Um dos aspectos da hospitalização é que o paciente nessa condição perde a autoestima. Ao perceber sua rotina mudar drasticamente, ele se sente inútil à sociedade e à família, nutrindo incômoda sensação de abandono e invalidez.
Médicos são preparados para prevenção e tratamento de doenças, mas poucos estão aptos para lidar com a morte, dando um basta ao uso de métodos inúteis e permitindo que o doente, com dignidade, despeça-se da vida.
Não são poucas às vezes em que um enfermo terminal é mantido atado a tubos e fios, conectado a aparelhos, morrendo sozinho, isolado, longe da família, ou de quem lhe segure a mão e lhe expresse amor.
A avaliação do estado terminal pode ser uma questão subjetiva do ponto de vista do próprio paciente, de suas possibilidades pessoais, dos familiares, e do médico que o assiste.
Obviamente há dados objetivos, como exames laboratoriais aliados à experiência do profissional, que podem tornar menos imprecisos esses momentos.
A admissão de exaustão dos recursos materiais não significa o esgotamento dos cuidados a serem dedicados ao doente.
Médicos e cuidadores devem investir em cuidados que diminuam o desconforto e aliviem a dor. É o momento em que o humano toma o lugar do ser biológico.
Respeitar a individualidade do enfermo é imprescindível para a manutenção da sua dignidade, não permitindo que ele “morra” antes de morrer.
“Que meu último suspiro seja em casa, de preferência dormindo”. Quem nunca sonhou com essa graça?
Entretanto, na presença de sofrimento, cuidados paliativos realizados em hospitais auxiliam o corpo que, amedrontado, abraça a existência.
Todo ser vivo teme a morte. Ainda assim, viver é mais difícil que morrer.
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