O subproduto...
Uma das principais virtudes de um grande treinador é a capacidade de trabalhar as individualidades. Otto Glória, por exemplo, ficou conhecido por ter transformado o já consagrado artilheiro Roberto Dinamite, autêntico nove que vestia a camisa 10, num jogador mais versátil, capaz de sair da área para lançar os pontas que entravam na diagonal. Telê Santana, no São Paulo, fez do violento e tresloucado Júnior Baiano um zagueiro clássico e carismático.
E, agora mesmo, em 2019, tivemos a chance de ver e ouvir jogadores de diferentes nacionalidades contando que o melhor do trabalho do português Jorge Jesus é a capacidade de transformar o potencial dos jogadores.
Exemplos
São só três exemplos de muitos que poderíamos lembrar aqui. Mas estes, vividos em décadas distintas, nos servem como apoio para ressaltar que esta é uma característica hoje muito pouco valorizada no futebol brasileiro.
Talvez, dos profissionais na faixa dos 50 anos até os mais jovens, o que me parece mais eficiente no trabalho de recuperação do valor técnico e aprimoramento do entendimento tático dos jogadores é Renato Gaúcho.
Talvez, até, ajude a explicar por que ele faz em 2020 a sua oitava temporada no comando técnico do Grêmio nos últimos dez anos. Porque independentemente dos títulos obtidos, Renato deu ao clube a percepção de que o futebol é jogado por humanos.
E que estas linhas não sejam tomadas como afago na capacidade profissional de Renato – até porque ele não precisaria.
Reflexão
Mas que sejam capazes de provocar a reflexão dos treinadores e até dos torcedores sobre os valores que diferem os trabalhos. Vencer as partidas, atingir as metas e celebrar as grandes conquistas são os medidores que costumamos valorizar.
Mas, num país em que mais de 70% dos clubes convivem com dívidas impagáveis e que o poder de investimento impede a formação de grandes elencos, o dom de transformar a matéria-prima em produto de fino trato é uma qualidade que deveria ser mais cobrada e valorizada.
Cultura
O futebol brasileiro precisa rever essa cultura do descartável, identificar os verdadeiros agentes capazes de transformar a essência do jogo e criar mecanismo de valorização do que é consumido pelo seu público. Sob o risco da estagnação como subproduto do que se pratica em gramados europeus...