Na história cosmológica, a Terra é esférica ou plana?
Na Antiguidade, muitos acreditavam que a terra fosse plana e que os corpos celestes fossem lâmpadas de uma abóbada. Decerto, Pitágoras figura entre os primeiros a postular a esfericidade da Terra, entendimento que pode ter sido assimilado dos Sumérios, mas que foi demonstrado engenhosamente por Eratóstenes. O eminente filósofo Aristóteles, por sua vez, concebeu a ideia de universo finito, em que a Terra ocupa um centro estático.
Baseando-se nisso, Cláudio Ptolomeu (90-168) formulou um sistema planetário geocêntrico segundo órbitas concêntricas.
Em um período em que Escrituras Religiosas constituíam fontes irrecorríveis de conhecimento, o sistema ptolomaico encontrava fundamento no Livro de Josué 10:13, em que se lê: "o Sol parou".
Somente a partir do século XVI, com Nicolau Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642), evidenciou-se que o Sol ocupa o centro do sistema, cabendo a Johannes Kepler (1571-1630) e Isaac Newton (1643-1727) elaborarem as leis que regem não apenas o movimento de translação, mas também fundam as bases explicativas para a esfericidade terrestre.
A maior prova disso, todavia, foi oferecida por Albert Einstein (1879-1955), em sua teoria da relatividade geral, a qual preconiza que, assim como a massa do sol achata o tecido espaço-temporal, mantendo os planetas presos à força denominada por Newton gravitação, do mesmo modo a Terra restringe o movimento retilíneo da Lua.
Em termos matemáticos, prova-se então que a esfericidade da Terra é condictio sine qua non da gravitação e, portanto, a sustentação do próprio sistema lunar.
Atualmente, não obstante evidências e todo rigor das equações, cresce o número de adeptos à ideia de que a Terra é plana.
Essa ideia ganhou momento com o escritor inglês Samuel Rowbotham (1816-1884), que em seu ousado livro Earth not a Globe (A Terra não é um globo), sugere não apenas que a Terra tem o formato de um disco plano, mas também se aplica a oferecer explicação alternativa para fenômenos meteorológicos como as estações do ano, as dimensões oceânicas, eclipses etc.
Posteriormente, em A Inconsistência da Astronomia Moderna e sua Oposição às Escrituras, ele ainda argumenta que a Bíblia, bem como experiência sensível, confirma a tese de que a Terra é plana e imóvel.
Hoje, cresce o número de adeptos à teoria terraplanista, graças sobretudo ao uso intensivo das redes sociais para fins de comunicação e informação, ganhando anuência inclusive entre setores religiosos uma vez que, de certo modo, encontra fundamentação bíblica para um posicionamento.
Se essa relação for verificada empiricamente, então o debate sobre a esfericidade ou planitude da Terra assumi caráter filosófico, o que nos obriga evocar uma importante passagem do pensamento kantiano, segundo a qual verdades originárias da experiência religiosa não constituem objeto da especulação científica.
Nesse caso, a máxima de Kant de que a Razão é limitada para dar espaço à fé se apresenta como sentença conciliatória.
Flávio Santos Oliveira é professor e doutor em História pela Ufes.