Doutor por causa da honra: UFPE reconhece Maciel Melo e o saber que nasce do Sertão
Universidade, que completa 198 anos e lidera ranking no Norte e Nordeste, celebra trajetória do “Caboclo Sonhador”
Com colaboração de Rubens Marinho/JT2
A Universidade Federal de Pernambuco, que carrega quase dois séculos de história e acaba de ser reconhecida como a melhor universidade do Norte e Nordeste no The World University Rankings 2026, abriu espaço, nesta quinta-feira (18), para homenagear um saber que não nasceu nos corredores acadêmicos, mas que atravessa gerações, feiras, palcos e versos do Sertão.
O cantor, compositor e escritor Maciel Melo recebeu o título de Doutor Honoris Causa — honraria máxima concedida pela instituição a personalidades cuja obra ultrapassa fronteiras formais do conhecimento e se inscreve como legado cultural.
A cerimônia ocorreu no Complexo de Convenções da UFPE, no Campus Recife, reunindo familiares, amigos, artistas e representantes da cena cultural pernambucana.
Um título que honra a trajetória
O título de Doutor Honoris Causa, expressão latina que significa “por causa da honra”, não equivale a um doutorado acadêmico, mas representa o reconhecimento institucional de uma trajetória que produziu conhecimento, identidade e permanência cultural.
Ao conceder a honraria, a UFPE reafirma o papel da universidade pública como espaço que reconhece saberes diversos — inclusive aqueles forjados fora da sala de aula.
Segundo o reitor da UFPE, Alfredo Gomes, a escolha de Maciel Melo dialoga diretamente com esse entendimento ampliado de conhecimento:
““É uma proposição da Universidade Federal para prestar o devido e merecidíssimo reconhecimento à trajetória de Maciel, que vem contribuindo e edificando uma belíssima carreira na cultura, na arte e na escrita que ele também escreve. Então, quando você une o conjunto da obra, você diz, bom, aqui tem algo muito importante que merece o olhar da universidade. Alfredo Gomes, Reitor da UFPE
O Sertão como escola
Natural de Iguaraci, no Sertão do Pajeú, Maciel Melo construiu uma carreira de cerca de 40 anos, marcada por letras que preservam a memória sertaneja e a traduzem para o Brasil contemporâneo. Canções como “Caboclo Sonhador” atravessaram gerações, ganharam voz em grandes intérpretes e consolidaram o artista como um dos principais nomes da cultura popular nordestina.
Além da música, Maciel também transita pela poesia e pela escrita, ampliando o alcance de uma obra que nasce da oralidade, mas se fixa como patrimônio simbólico.
Ao receber o título, o artista falou sobre o significado da homenagem e sobre a vida como espaço de aprendizado:
“Para mim é como se eu estivesse recebendo um diploma universitário, é como se eu estivesse recebendo um diploma de doutor, né? E na verdade é isso, né? Só que eu aprendi, a minha escola foi a vida, né? Então, é como se um diploma de universidade, de busca, de poesia, de arte, enfim. E isso me dá satisfação de que nada foi em vão, sabe? De que tudo que eu fiz até agora como artista, como cantor, como escritor, como forrozeiro, sabe? Valeu a pena” Maciel Melo, Cantor, compositor e escritor
Universidade e cultura popular
Com mais de quinhentas canções compostas, gravadas por ele e por intérpretes que ajudaram a espalhar o forró nordestino pelo Brasil, Maciel Melo construiu uma obra que impressiona não apenas pela qualidade, mas pela persistência.
Em 1991, esse repertório ultrapassou fronteiras e chegou ao reconhecimento internacional, quando o artista conquistou o segundo lugar no Grammy, na categoria Traditional Folk.
Ainda assim, o prêmio nunca pareceu mudar o rumo do seu caminho. Maciel seguiu compondo como sempre fez: sem pressa de consagração, sem ajuste ao mercado, fiel ao Sertão que o formou.
Ao conceder o título a Maciel Melo, a UFPE — que completou 198 anos em agosto — reforça a conexão histórica entre universidade pública e cultura popular. A honraria reconhece não apenas um artista, mas uma forma de produção de conhecimento que nasce da vivência, da observação e da escuta do povo.
Mais do que celebrar uma carreira individual, o gesto institucional inscreve o Sertão, sua linguagem e sua memória no centro do reconhecimento acadêmico.
Porque, às vezes, o saber não vem dos livros.
Vem da vida.
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