Criolo: “Às vezes o milagre está na sua frente”
Em entrevista ao AT2, Criolo diz que não acreditava que fosse chegar aos 50 anos. Achava que “só ia subexistir, ter uma história curta”
Entre uma frase e outra, breves momentos de silêncio que pareciam carregar um turbilhão de sentimentos e lembranças. O bate-papo do cantor Criolo com o AT2 rolou mais ou menos assim.
Com a voz tranquila e uma humildade que chega a ser comovente para uma figura tão importante para a cultura brasileira, ele falou sobre sua turnê, “Criolo 50”, que chega a Vitória na próxima sexta-feira; sobre sua trajetória, sobre samba e rap, deu conselhos aos iniciantes e destacou o que considera o mais importante de tudo na vida: a família.
“Às vezes, o milagre está na sua frente e você não percebe a importância de uma família, a importância de ter seu pai e sua mãe perto de você, para te aconselhar, abraçar, te acudir, puxar sua orelha”, ressaltou o filho da professora, poetisa e filósofa Maria Vilani e do ex-metalúrgico Cleon Gomes.
Paulistano de Santo Amaro e criado no Grajaú, escreveu seu primeiro rap aos 11 anos, quando era apenas o garoto Kleber Gomes. Aos 25, foi a vez de sua primeira canção e, em 2011, estourou no cenário musical com “Nó na Orelha”, um dos álbuns mais comentados da última década.
Agora, Criolo colhe os frutos que plantou desde cedo. Além da turnê em comemoração aos seus 50 anos, ele se prepara para lançar dois álbuns e um livro, em parceria com sua mãe, de quem foi colega de sala de aula no ensino médio. “É um livro sobre celebrar a importância do mais velho, da família”, antecipa.
“A arte faz a gente se sentir mais forte”
At2 — Como é o repertório do show “Criolo 50 anos”? Qual música não pode ficar de fora?
Criolo — A gente acaba passando por todos os álbuns, e é tudo feito com atenção a cada detalhe. As músicas que não podem ficar de fora para mim? Acho que seriam todas! (Risos) Em cada show, tem uma surpresa, os arranjos também são diferentes, é uma história sendo recontada de uma outra forma.
Acredita que rap e samba têm algo em comum?
Tem muita coisa em comum, sobretudo no nosso território Brasil. Ele parte de um lugar ímpar, vem como a voz da 'quebrada', do morro, do povo. É uma forma de comunicação, mas também uma força de propagar alegria, esperança, felicidade.
Você estudou com sua mãe. Como foi essa experiência?
Estudar com a minha mãe foi muito importante. Quando eu terminei o ginásio, tive que mudar de escola porque onde eu estudava só tinha até o primeiro grau. Eu perguntei para minha mãe se ela não queria estudar também e aquilo foi uma revolução muito grande.
A minha mãe vem de uma história muito difícil de vida, e, para nossa felicidade, aconteceu esse milagre dela ainda ter forças para acreditar em seus sonhos. Nós estudamos juntos três anos, fizemos o colegial todo juntos. Pude conhecer uma outra pessoa no dia a dia daquela sala de aula, naquela escola tão humilde.
Que balanço você faz desses 50 anos de vida?
É um sentimento diferente, porque não pensei que fosse chegar aos 50 anos de idade. Tinha muita coisa ali, naquele início de vida, que apontava que a gente só ia subexistir, ter uma história curta e agradecer por essa história curta. Então, os sentimentos se confundem. Eu tenho a gratidão de fazer 50 anos – espero viver muito mais – e tenho o sentimento de que, às vezes, a vida é assim, porque nossos horizontes ficam tão pequenos. E que milagre que é conseguir expandir os horizontes e ver que a gente pode tentar ousar viver, né?
Chegou a ter medo do futuro ou sempre seguiu confiante?
A gente cresce com o exemplo do pai e da mãe, as pessoas mais próximas. Meu pai, um metalúrgico; minha mãe, uma senhora que batalhou muito e, depois dos 40, 45 anos, foi ser professora, viveu professora e se tornou professora por todos os poros. Mas a gente vivendo naquele barraco, naquela favela, é difícil não ter medo, medo da vida, do futuro, medo da rua, dos próprios sonhos. É difícil, muito difícil. A confiança é uma coisa que a gente nem sabia que existia e que vai se construindo a cada dia.
Que conselho daria aos cantores iniciantes?
Não sei se posso dar conselho, mas eu posso dividir o pensamento de: ‘Não desista de seus sonhos, não desista da sua vida’. A gente nasce para ser feliz, para viver uma vida plena, com alegria, prosperidade, e a arte faz a gente se sentir mais forte, mais confiante. Não se afaste da arte que você ama, não se afaste de seus sonhos.
E que conselho gostaria de ter escutado no início de sua carreira?
Talvez, de vez em quando, alguém passar perto da gente e falar que a gente é capaz, que o que a gente está fazendo não é loucura, talvez alguém só para falar que a gente não é lixo porque é pobre. Talvez isso ajudasse um pouco.
O que falta conquistar?
Acho que só tenho a agradecer. A música trouxe para perto de mim tanta gente, pessoas que são minhas amigas hoje, que dividi o palco, que foram me ensinando. Ney Matogrosso, Paulinho da Viola, Caetano Veloso, que se tornou um grande amigo; e o maior de todos, Milton Nascimento. A Alcione, maravilhosa. É gente demais, sabe. Minha gratidão é enorme.
Quais seus planos para o futuro?
Tem um disco maravilhoso saindo agora com meu amigo Dino D'Santiago, um cantor genial, e com o pianista Amaro Freitas; tem um disco de rap para vir para o mundo e se, der tudo der certo, a alegria e a felicidade de construir um livro com a minha mãe. A gente tem um momento nosso, de fazer uma literatura juntos, escrever umas coisinhas para deixar para a família, para falar da importância da rotina em família.
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