Operação investiga organização que vendia medicamento abortivo no ES
Organização tinha um grupo no WhatsApp com 250 mulheres de todos os estados. Um dos administradores é do Espírito Santo
Uma jovem de 19 anos foi conduzida até a Delegacia Regional de Aracruz para prestar depoimento em decorrência da Operação Aurora, realizada em conjunto pelas polícias civis do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo. A jovem levada à delegacia foi ouvida e liberada.
A ação teve como objetivo obter provas para desarticular uma organização criminosa interestadual especializada no tráfico de um medicamento utilizado na prática de abortos clandestinos e que expõe mulheres a graves riscos à saúde e à vida.
A operação ocorreu de forma simultânea em diversos estados além do Espírito Santo, como a Paraíba, Goiás, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Distrito Federal.
No Espírito Santo, equipes da Polícia Civil cumpriram mandado de busca e apreensão domiciliar no bairro São Marcos, em Aracruz.
Materiais de interesse investigativo foram apreendidos e serão submetidos à análise técnica para aprofundamento das apurações.
De acordo com a delegada Karoline Calegari, do Rio Grande do Sul, responsável pela operação, o medicamento era vendido em grupos de WhatsApp e um dos administradores é do Espírito Santo, além de algumas clientes, que já foram identificadas.
Segundo a delegada, sem contar os administradores, o grupo tinha 250 mulheres de todos os estados do País.
“O grupo chamava-se 'Sinta-se acolhida'. Assim que recebiam o medicamento, faziam vídeos e compartilhavam no grupo para informar que realmente era entregue. Em mensagens privadas, as mulheres eram orientadas por uma técnica sobre como fazer uso da medicação”, afirmou.
Preços
Segundo a delegada, havia uma tabela de preços. Até cinco semanas de gestação era utilizada uma quantidade de comprimidos, vendidos no valor total de R$ 800. Até 20 semanas a quantidade mudava e o valor chegava a R$ 2.400.
Karoline Calegari informou que a investigação agora vai mirar na origem dos medicamentos vendidos nos grupos.
Ela informou ainda que, à medida que as mulheres que compraram o medicamento são identificadas, cada caso é encaminhado para a Polícia Civil dos estados para investigação.
Medicamento só pode ser usado em hospitais
O medicamento que provoca aborto só pode ser ministrado por médicos e seu uso só pode ser feito de forma controlada, dentro de hospitais. É o que alertam especialistas ouvidos pela reportagem.
O obstetra Henrique Zacharias Borges Filho, diretor da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Espírito Santo, afirma que o medicamento é usado nos casos de aborto permitidos pela lei e, em menor quantidade, para induzir o parto em gestações avançadas.
“A venda é proibida em farmácias. O médico tem que preencher um documento quando ele é ministrado. Ele foi originalmente criado para tratar úlceras estomacais e descobriu-se que causava contrações uterinas”.
O ginecologista e obstetra Fernando Guedes destaca que a resposta ao uso do medicamento pode ser a esperada, ou exacerbada, dependendo do organismo de cada mulher.
“Essa medicação não pode ser usada fora de hospital. Geralmente, ela cursa com dor intensa, contração uterina intensa, cólica muito intensa e sangramento. E aí a gente precisa avaliar até que ponto esse sangramento é razoável com o uso da medicação ou até que ponto isso se tornou uma hemorragia”, afirmou.
O advogado criminalista Cássio Rebouças explica que, no Brasil, o aborto é crime, salvo em três situações: quando não há outro meio de salvar a vida da gestante, quando a gravidez resulta de estupro (seja mediante violência real, seja no caso de vítimas menores de 14 anos) e nos casos de feto anencéfalo.
“Fora dessas exceções, a gestante está sujeita a penas de 1 a 3 anos, quem provoca o aborto sem o consentimento da gestante a penas de 3 a 10 anos e quem auxilia o aborto com o consentimento da gestante a penas de 1 a 4 anos”. Já a venda clandestina do remédio é entendida como crime contra a saúde pública, sujeito a penas de 10 a 15 anos.
Entenda
Orientações on-line a mulheres
Origem
A partir do aborto realizado por um casal em Guaíba, Rio Grande do Sul, em abril, a delegacia da cidade passou a investigar as circunstâncias.
A mulher que realizou o aborto chegou ao hospital regional com dores muito fortes e acabou expelindo dois fetos.
Depoimento
Ouvida pela polícia, a mulher informou que havia ingerido o medicamento abortivo, que lhe fora vendido pela internet.
Junto com os medicamentos, a jovem também teria contratado os serviços de assessoramento técnico no momento do aborto, o que seria feito de modo on-line por “uma doutora”.
Só que, durante o procedimento, a pessoa que a estava orientando passou a demorar para responder, deixando a gestante sem assistência, cheia de dores.
Grupo
Ao ter certeza da gravidez, ela passou a fazer pesquisas em rede social quando foi abordada por uma pessoa que lhe informou conhecer profissionais que poderiam ajudá-la.
Ela foi adicionada ao grupo do WhatsApp.
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