Estudante antecipou novo formato de questão do Enem quase um ano antes da prova
Estrutura, chamada de "testlet", reúne um grupo de perguntas a partir de um único texto-base
O estudante de medicina Edcley Teixeira divulgou meses antes do exame o novo formato de questão que estreou no Enem 2025. A estrutura, chamada de "testlet", reúne um grupo de perguntas a partir de um único texto-base.
A Folha de S.Paulo teve acesso a prints de stories publicados pelo estudante em sua conta no Instagram em dezembro de 2024. Procurado, o universitário confirmou, por videochamada, que escreveu nas redes sobre esse formato. "Falei disso um ano antes. Os editais mostravam que viria um novo tipo de teste, com cinco itens ligados ao mesmo texto. Isso é padrão da estatística usada no TRT [Teoria de Resposta ao Teste]", disse.
Por telefone, o presidente do Inep (órgão responsável pelo exame), Manuel Palacios, afirmou que o uso do "testlet" no Enem 2025 "nunca foi sigiloso" e faz parte do processo de modernização do exame.
Nas postagens temporárias, Edcley afirmava ter chegado a essa conclusão após analisar editais e chamadas públicas do Inep. Segundo o estudante, os documentos indicavam que o instituto pretendia substituir a TRI (Teoria de Resposta ao Item), usada desde 2009, pela TRT, uma versão mais recente.
O "testlet", explicou, seria aplicado de forma experimental como parte dessa transição, e a mudança completa ocorreria apenas após 2025, caso fosse aprovada.
Diferentemente do que ele publicou, porém, o formato estreou já no primeiro dia do Enem desta edição e voltou a aparecer na prova aplicada no último domingo (30), no Pará. Em ambas, cinco questões da prova de linguagens partiram de um mesmo texto —exatamente o padrão descrito por Teixeira em 2024.
Três dias depois da primeira prova, em 12 de novembro, o MEC apresentou oficialmente o modelo "testlet" como uma das inovações do Enem 2025. Segundo a pasta, a metodologia mantém a independência entre os itens e torna a prova mais contextualizada.
Segundo Edcley, ele supôs a novidade ao analisar documentos públicos do Inep. Em outros dois stories, o estudante exibiu trechos de editais voltados à seleção de elaboradores de questões. Os textos mencionavam "oficinas de elaboração de teste" e a criação de blocos de questões não independentes. "As chamadas entregam o processo inteiro. Mostram para onde o Inep está indo", disse.
A Folha confirmou a existência da página citada por Edcley, chamada, mas não localizou o edital mencionado. O estudante afirma que o documento foi posteriormente retirado do ar. O material confirma que o Inep estruturou, a partir de 2023, oficinas de elaboração de "testlets" no contexto do Novo Enem. O plano de trabalho previa a produção de blocos de questões ancoradas em um texto-base, em continuidade às oficinas-piloto realizadas em 2023 e no primeiro semestre de 2024.
O documento indica que a reformulação buscava acompanhar as mudanças do ensino médio e que a inclusão do "testlet" estava entre as alternativas em estudo para a nova fase do exame. O plano detalhava etapas como seleção de textos-base, elaboração e revisão de itens, painéis de especialistas e produção de relatórios técnicos, com atividades previstas entre agosto e dezembro de 2024.
Todos os participantes eram obrigados a manter sigilo sobre o conteúdo das atividades.
Edcley também acertou o número de perguntas por bloco. "Geralmente são cinco questões nesse formato. O testlet aumenta a precisão na medição da habilidade do candidato e reduz o fator sorte que existe na TRI", explicou.
O estudante atribui sua capacidade de antecipar mudanças no Enem à experiência acumulada em 13 participações no exame, sempre, segundo ele, com alto desempenho. Ele chama sua abordagem de "método de percepção algorítmica", que combina leitura dos editais e observação de padrões linguísticos. "Percebi que certas palavras se repetiam nos textos das questões. Essa repetição é relevante na TRI, porque influencia o comportamento dos candidatos de diferentes níveis de proficiência", afirmou.
Segundo ele, o Inep elimina das provas questões que não discriminam corretamente o nível de conhecimento dos participantes.
"Para uma questão ser aprovada, candidatos de 800 pontos precisam acertar mais do que os de 600. Quando isso não acontece, a questão sai. A repetição de palavras, às vezes, atrai justamente os candidatos de alta proficiência, e isso dá pistas sobre como o exame é calibrado", disse.
O aluno do quarto ano de medicina da Universidade Federal do Ceará ganhou notoriedade após divulgar, em uma live no Youtube, questões muito semelhantes às do Enem 2025 dias antes da aplicação das provas de matemática e ciências humanas. Três itens foram anulados, e o Inep acionou a Polícia Federal para investigar o caso.
Em vídeos antigos, Edcley afirmava que seu método se baseava na participação em avaliações oficiais, como o Prêmio Capes Talento Universitário e o Estudo de Comportamento de Itens, usados pelo Inep como pré-testes para calibrar perguntas que podem integrar futuras edições do Enem.
Após a repercussão do caso, o Inep anulou três perguntas da prova de 2025. Em nota, o órgão ressaltou que nenhuma questão coincide integralmente com as aplicadas.
"Na divulgação observada nas redes sociais, foram identificadas similaridades pontuais entre os itens", declarou o instituto.
Questionado sobre a divulgação da participação em pré-testes, o universitário preferiu não comentar, mas admitiu que às vezes recorria a "marketing agressivo" para difundir seus cursos de mentoria para o Enem.
À Folha de S.Paulo o presidente do Inep disse que o modelo testlet já vinha sendo estudado e desenvolvido internamente há algum tempo. Ele afirmou que a adoção do formato no exame 2025 nunca foi segredo e que a "novidade pretende permanecer" nas próximas edições da prova.
"O que está sendo avaliado são as mesmas habilidades, só que, em vez de cada uma delas ser avaliada com um fragmento de texto", disse. Segundo o presidente, o documento é um plano de trabalho para a construção de blocos de itens para uso eventual pelo Enem. Necessário para a remuneração de colaboradores externos. "É correspondência interna do Inep. E o acesso não é restrito", diz
Durante a conversa com a reportagem, o estudante afirmou confiar na apuração técnica das autoridades. "Eu confio no Enem, confio no Inep. Continuo apaixonado pelo exame e acredito muito na capacidade técnica deles", declarou.
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