Aço importado ameaça empregos no ES
América Latina vive o risco de sofrer com a desindustrialização, o que põe em risco investimento em empresa no Estado
A invasão de aço importado tem sido para a América Latina o fantasma da desindustrialização. E, caso o problema não seja solucionado, investimentos podem ser suspensos e até os empregos hoje existentes podem ser extintos, inclusive no Espírito Santo.
O assunto foi tratado pelo presidente da Associação Latino-Americana do Aço (Alacero), Jorge Oliveira, em entrevista exclusiva à Rede Tribuna durante o Alacero Summit 2025 — maior evento do setor na América Latina — realizado em Cartagena das Índias, Colômbia, para o qual a reportagem foi convidada a participar.
Oliveira, que também é presidente da ArcelorMittal Brasil, citou o projeto de R$ 4 bilhões já anunciado para a unidade Tubarão, na Serra, envolvendo o Laminador de Tiras a Frio (LTF) e a linha de Revestimento Contínuo, processos que agregam valor ao material e têm previsão de criar 3 mil empregos.
“É um projeto que certamente vai atrair muitas indústrias para o Espírito Santo, mas um dos empecilhos para ele se concretizar é justamente essa temática que tratamos no evento: a desindustrialização provocada pela invasão de aço importado”, disse ele.
O executivo frisou que, caso haja retomada do aumento das importações de aço pelo Brasil, até os empregos existentes hoje estarão em risco. “Porque aí não há mercado capaz de competir com essa concorrência desleal, principalmente da China. Isso se torna insuportável ao longo do tempo, e medidas na América Latina precisam ser tomadas, como defesa comercial eficiente, para que as empresas possam seguir com seus investimentos”.
As importações deram um sinal de redução recentemente, mas o nível ainda é considerado “absurdo” por Oliveira. “De 2020 para cá, subiu 300%. As importações são três vezes maiores que a média no Brasil de 2000 a 2019”, citou.
As empresas do setor buscam no diálogo com o governo federal uma solução. Em conversas frequentes, buscam-se defesa comercial efetiva, incluindo processos de antidumping contra a concorrência desleal.
O setor espera encaminhamentos positivos nos próximos meses para alguns produtos, como bobinas a frio e galvanizadas. “Não temos medo da competição, mas não temos como enfrentar sozinhos incentivos e subsídios estatais”, disse Oliveira.
“Não podemos ser bons só em futebol e literatura”
Bruce Mac Master, presidente da Associação Nacional de Empresários da Colômbia, trouxe uma reflexão sobre o papel da América Latina no cenário global durante sua apresentação no Alacero Summit 2025.
“Temos talentos reconhecidos no futebol, na música e na literatura, mas precisamos gerar valor econômico real e não apenas seguir decisões de outros”, disse.
Segundo Mac Master, o continente ainda vive uma grande disputa social, marcada por pobreza, desafios em educação, saúde e segurança, enquanto decisões econômicas continuam muitas vezes reativas.
“Observamos o mundo, mas não tomamos nossas próprias decisões. Precisamos de uma política industrial que nos permita produzir o que consumimos, gerar bem-estar e competir sem depender de tarifas ou salvaguardas”, afirmou.
O empresário destacou que, embora países como China, Índia e Emirados Árabes tenham mostrado que é possível crescer de forma estratégica, a América Latina ainda se vê como seguidora.
“O grande desafio é definir nosso papel no mundo. Não podemos ser apenas espectadores; temos capacidade de integração regional e de construir um desenvolvimento econômico que transforme vidas”, concluiu Mac Master.
Risco aos empregos
A invasão de aço importado ameaça os empregos que seriam criados e também os já existentes no setor siderúrgico, inclusive no Estado.
O projeto de R$ 4 bilhões da ArcelorMittal na unidade Tubarão, na Serra, prevê 3 mil novas vagas com o Laminador de Tiras a Frio (LTF) e a linha de Revestimento Contínuo, mas pode ser prejudicado se a concorrência desleal persistir.
O risco não se limita à Serra: outros investimentos estratégicos na América Latina podem ser suspensos, afetando milhares de empregos e o desenvolvimento industrial regional.
O que está em jogo?
Investimentos privados de grande escala: projetos que agregam valor ao aço e também fortalecem a indústria local.
Cadeia produtiva e empregos: criação de empregos diretos e indiretos, dinamização econômica e atração de novas indústrias. Pode haver demissões em toda a América Latina, e até mesmo no Espírito Santo.
Competitividade regional: manutenção da presença da indústria latino-americana em um mercado global competitivo.
Por que está em jogo?
Crescimento das importações: de 2020 a 2025, aumento de 300% nas importações de aço para o Brasil, três vezes a média de 2000 a 2019.
Concorrência desleal: Turquia, Rússia e principalmente da China, com subsídios estatais que dificultam a competição.
Defesa comercial ainda incipiente: medidas de antidumping e outras ações de proteção estão em discussão, mas soluções concretas ainda são aguardadas.
Risco de desindustrialização: sem políticas eficazes, empresas podem suspender investimentos em toda a América Latina, prejudicando empregos e a capacidade industrial do continente.
Fonte: Alacero Summit 2025.
“América Latina pode virar ilha de prosperidade”, diz palestrante
A América Latina enfrenta um momento decisivo para seu desenvolvimento econômico e social, segundo Oliver Stuenkel, escritor, palestrante e professor de Relações Internacionais da FGV em São Paulo.
Durante sua apresentação no Alacero Summit 2025, em Cartagena das Índias, ao qual a reportagem da Rede Tribuna foi convidada, Stuenkel destacou a necessidade de integração entre intelectuais, setor privado e governos da região para não ficarem para trás diante de produtos altamente subsidiados, tarifas internacionais e desafios econômicos globais.
“Há pouca discussão em São Paulo, Chile ou México sobre o que realmente ocorre nos países vizinhos. Muitos desafios só podem ser enfrentados de forma coletiva, caso contrário ficamos vulneráveis à concorrência desleal”, disse.
O especialista ressaltou a importância de compreender o contexto geopolítico global. Entre 1990 e 2015, o mundo viveu um período de estabilidade política inédita, com os EUA como única superpotência, permitindo integração global das cadeias de valor e avanços econômicos expressivos: redução da pobreza, aumento da alfabetização e crescimento econômico.
“Foi a primeira vez na história em que uma potência conseguiu construir um sistema de cooperação global com outra ascendente, a China. Mas esse consenso terminou em 2015, quando os EUA perceberam as ambições próprias da China”.
No novo cenário global, marcado por tensões mais permanentes entre grandes potências, a América Latina precisa diversificar mercados e parcerias internacionais.
Stuenkel reforçou que a região pode se tornar uma “ilha de prosperidade” se adotar uma política de neutralidade ativa, mantendo relações com todas as potências, independentemente de governos de esquerda ou direita. “A América Latina é parte da solução, e não dos problemas”.
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