Finanças da nova geração: Queixa por renda menor e inflação
Imóveis e carros acumularam inflação de 150% nos últimos 20 anos, enquanto salários não acompanharam esse ritmo
O imediatismo e a falta de planejamento dos jovens atuais é resultado do mundo em que eles vivem, segundo especialistas, que destacam que o jovem atual enfrenta condições financeiras objetivamente mais difíceis.
O economista Eduardo Araújo cita que imóveis e carros acumularam inflação de 150% nos últimos 20 anos, enquanto salários não acompanharam esse ritmo.
“Os pais dos jovens de hoje conseguiram comprar casa e carro com relativa facilidade porque a relação entre preços desses bens e renda era mais favorável. Essa mudança não é percepção, mas realidade mensurável”, afirma.
Um jovem de 23 anos que mora na Serra e pediu para não ser identificado disse que observa que a geração de seus pais parecia ter mais facilidade para fazer grandes investimentos financeiros e planejar seu futuro.
“Meus pais, em menos de um ano trabalhando, já tinham condições de comprar carro e apartamento. Hoje, com o que ganho, mal sobra dinheiro após eu pagar as de casa, imagine para dar entrada em um carro ou num imóvel nos preços atuais?”.
Segundo a educadora e consultora financeira Patricia Capitanio, a Geração Z não possui uma preocupação adequada quando se trata de dinheiro, em especial as necessidades futuras como a aposentadoria, por exemplo, o que os faz gastar com tudo o que deseja em um determinado momento, como uma forma de compensação.
O jovem hoje não possui esperança sobre o futuro, o que acaba o levando para aproveitar hoje, e não se planejar para o amanhã, segundo a especialista em recrutamento e seleção e CEO da Center RH, Eliana Machado.
“São estimulados ao imediatismo, o comprar agora e pagar depois. Está cada vez mais difícil entrar no mercado de trabalho, o custo de vida está cada vez mais alto e tudo isso cria um cenário onde o jovem fica vulnerável à inadimplência”, explica.
Ela acrescenta que o jovem atual observa uma conjuntura muito mais complexa do que gerações anteriores, com salários de entrada mais baixos, imóveis e veículos inacessíveis e crédito restritivo e com juros mais altos.
“Antes, era comum a pessoa pegar parte dos seus primeiros salários para dar entrada num carro ou numa casa própria. Hoje, isso não é viável, até porque muitos jovens acabam tendo de atuar no mercado informal para sobreviver ou para obter uma renda extra. Não é que o jovem seja mais gastador, é que ele está inserido num contexto econômico e cultural mais desafiador”.
Previdência Social em risco
A queda de fecundidade da população brasileira caiu de 6 filhos por mulher para 1,7 filhos em pouco mais de meio século. E a tendência é esse número cair ainda mais: estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF) mostrou que 37% das mulheres jovens já admite não querer ser mãe.
E, mesmo entre os jovens que pretendem ter ao menos um filho, a estabilidade financeira é citada como barreira: 82,4 dos jovens, segundo estudo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), dizem querer estar bem financeiramente.
“O jovem não vê a sociedade investindo nele e pensa: 'Estou sozinho, tenho de aproveitar o presente'”, disse o diretor-presidente do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), Paulo Tafner.
A situação afeta, a longo prazo, o futuro da própria geração atual de jovens: com a tendência do envelhecimento populacional, pode faltar verba para manter viável o pagamento de aposentadorias no futuro, segundo relatam especialistas.
“Do jeito que está, a Previdência já será inviável em cinco anos. Se não mudar, talvez na próxima década não consigamos ter receita para pagar aos aposentados do Brasil”, afirmou o presidente do Tribunal de Contas da União, Vital do Rêgo.
Pragmatismo para o cenário futuro
O imediatismo dos jovens da Geração Z também está relacionado a uma preocupação real: a redução de postos de trabalho para iniciantes, por conta da concorrência com a Inteligência Artificial. Por conta disso, especialistas avaliam que a abordagem dos jovens com relação ao dinheiro acaba sendo pragmática.
Levantamento da plataforma de empregos on-line Zety mostrou que 72% dos integrantes da Geração Z acreditam que os humanos virtuais vão reduzir os postos de trabalho para iniciantes, que serviam como porta de entrada para o mundo corporativo. Entre todos eles, 65% acreditam que nem mesmo cursar uma graduação vai mudar isso.
O fato de 43% da Geração Z já ter reorientado seus planos de vida para trabalhos manuais ou de “colarinho azul” já diz muito sobre como ela está encarando o problema.
Segundo estudo da Universidade de Bentley, na Inglaterra, os jovens da Geração Z estão muito conscientes de que o futuro é sombrio, mas que encaram isso com pragmatismo porque também não sabem bem como lidar com um cenário tão desalentador após anos de estudo.
Cecília Perini, sócia e líder da XP no Estado, avalia que a falta de diálogo com os pais sobre planejamento financeiro também é um dos motivos para esse comportamento dos jovens.
“O planejamento financeiro é um aprendizado que se constrói em casa, pelo exemplo. Os pais que compartilham suas experiências, falam sobre orçamento, explicam as responsabilidades de um cartão de crédito ou mostram a importância de investir, ajudam os filhos a enxergar o dinheiro como ferramenta de conquista, e não apenas de consumo”.
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