“Fim da era das carroças”: primeiros condutores recebem bikes e indenização
Proibição da tração animal muda a vida de famílias que há gerações dependem dos cavalos para trabalhar
O barulho das ferraduras vai, aos poucos, silenciando nas ruas do Recife. O que, por décadas, foi símbolo de sustento, identidade e liberdade para muitos trabalhadores, está chegando ao fim. A Prefeitura do Recife iniciou, nesta sexta-feira (7), o pagamento de indenizações e a entrega de benefícios aos primeiros carroceiros que aceitaram deixar a tração animal.
A cerimônia aconteceu no Compaz Lêda Alves, no bairro do Pina, e marcou o início do Programa Gradual de Retirada dos Veículos de Tração Animal, que prevê o fim definitivo da atividade até 31 de janeiro de 2026.
Cavalos trocados por bikes elétricas e empregos
Seis condutores aderiram voluntariamente à primeira etapa do programa. Cada um entregou seus cavalos e carroças em troca de indenizações de R$ 1,2 mil por animal e o mesmo valor por carroça, além de bikes elétricas e vagas de trabalho na limpeza urbana.
Dos seis, apenas um recusou o novo emprego, preferindo apenas o dinheiro. Ao todo, foram entregues cinco carroças e seis cavalos, que agora serão encaminhados ao Centro de Vigilância Ambiental (CVA).
O gesto foi simbólico. Nas fotos oficiais, entretanto, somente um dos beneficiados sorri, discretamente. A medida não deixa de ser polêmica, embora venha sendo anunciada há anos. No mês de junho passado, os carroceiros fecharam o trânsito de vários bairros em protesto contra o fim da tração animal. Foram vencidos, mesmo após externarem suas dores em audiência pública na Câmara do Recife.
Uma tradição que chega ao fim
Para muitos carroceiros, o programa representa uma mudança de vida radical. Trabalhar com tração animal é, em várias famílias, um ofício passado de pai para filho. A decisão da prefeitura vem após anos de mobilização de entidades e protetores de animais, que denunciaram maus-tratos dos cavalos como má alimentação, peso em excesso e chicotadas. Os carroceiros propuseram emplacamento das carroças como forma de punir que andava errado, mas a proposta não avançou.
"Hoje fizemos história: foi o dia da primeira entrega voluntária de cavalos e carroças. Um marco da luta pelo proibição das carroças no Recife. A partir de hoje, o Recife entra para a história da causa animal", disse Andreza Romero, chefe do Gabinete de Proteção e Defesa dos Animais da Prefeitura do Recife.
Enquanto parte da sociedade comemora a ação como avanço na proteção animal e modernização da cidade, outro grupo vê nela uma “guerra perdida”. “O cavalo não é só ferramenta de trabalho. É companhia, alegria”, lamenta um condutor entrevistado em reserva pelo Tribuna Online PE na Várzea.
Censo e prazo apertado
Um novo censo será aberto ainda neste mês. É a última chance para quem ainda insiste em seguir o mesmo caminho de sempre — o do cavalo puxando a carroça nas ruas do Recife. Depois disso, em janeiro de 2026, o barulho das patas dará lugar ao som dos motores e das bikes. O ciclo se encerra oficialmente, embora a memória continue viva nas mãos calejadas de quem aprendeu a ganhar a vida guiando um animal, e não uma máquina.
A proibição da tração animal no Recife foi estabelecida pela Lei Municipal nº 17.918, de 2013, e regulamentada em 2019 pelo Decreto nº 32.121, que criou o Programa Gradual de Retirada dos Veículos de Tração Animal.
Desde então, os carroceiros tiveram mais de uma década para se adaptar à nova realidade — um tempo que, na prática, não tem tornado a despedida menos dolorosa. Para muitos, o cavalo sempre foi mais que instrumento de trabalho: era companhia, herança de família e liberdade sobre quatro patas. Neno Carroceiro, que representa os profissionais das carroças, não foi localizado pela reportagem até o fechamento desta matéria.
Veja o que disse Andreza Romero
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