Montadoras de veículos podem paralisar produção; entenda o motivo
Falta de chips ameaça interromper linhas de montagem de carros, que podem ficar ainda mais caros, de acordo com economistas
A produção nacional de automóveis corre o risco de ser paralisada devido a uma crise global que envolve um dos maiores produtores de semicondutores do mundo. A possibilidade de falta de chips pode deixar carros novos e usados mais caros.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que representa as montadoras instaladas no Brasil, alertou o governo federal sobre o risco de paralisação da produção de veículos no País devido à escassez de semicondutores.
Em duas semanas, as montadoras podem interromper suas linhas de produção caso não haja uma solução clara para o impasse.
Um veículo moderno usa, em média, entre mil e 3 mil chips, principalmente para injeção eletrônica, airbags e controle de motor, explicou a Anfavea.
Uma nova paralisação provavelmente elevará o preço dos carros novos, pois as montadoras produzem menos unidades, mas a demanda tende a se manter, segundo economista e diretor da Faculdade Capixaba de Negócios (Facan), Marcelo Loyola.
“Durante a crise anterior, por ocasião da pandemia, a produção caiu quase 30%, e os preços médios dos veículos subiram entre 25% e 40%, devido a esse mesmo problema”, destacou.
O mercado de seminovos e usados tende a se valorizar novamente se faltar carro novo nas concessionárias, contou Loyola.
“Foi exatamente isso que ocorreu na pandemia: o consumidor que não encontrava veículo zero quilômetro migrava para o usado, aquecendo esse segmento. Neste caso, a relação entre oferta e demanda é imediata. E Isso pode ser mais forte em modelos populares, já que a produção desses costuma ser mais afetada primeiro”, afirmou.
O economista Ricardo Paixão reforçou que, caso ocorra uma crise de oferta, haveria uma oferta restrita de veículos novos e, no curto prazo, uma elevação de preços, dado que a demanda provavelmente se manteria.
“Um efeito dominó seria observado no mercado de veículos usados. Diante da escassez de modelos novos, os consumidores buscariam alternativas, aumentando a procura por automóveis usados. Em suma, o choque de oferta tenderia a pressionar os preços, tanto de veículos novos quanto de usados”, disse.
Associação fala até em “colapso”
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Igor Calvet, diz que “a urgência é evidente, e a mobilização, necessária para evitar um colapso na indústria”.
“Estamos diante de uma crise que se desenha global no fornecimento de chips. Começamos a receber notificações sobre uma iminente interrupção de fornecimento de peças. A nossa indústria pode começar a parar nas próximas duas ou três semanas”, disse.
A situação crítica foi tema de uma conversa que Calvet teve com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), Geraldo Alckmin.
“Já alertei o vice-presidente Alckmin hoje sobre o que está acontecendo. Estamos desenhando a possibilidade de o próprio governo brasileiro fazer uma interlocução direta junto ao governo chinês, para que as exportações desse tipo de produto ao Brasil sejam liberadas”, comentou.
O Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças-Abipeças), que representa toda a indústria de autopeças instalada no Brasil, enviou uma carta diretamente a Geraldo Alckmin, com a “solicitação de apoio governamental em razão da situação crítica de abastecimento de componentes fabricados pela empresa chinesa Nexperia”.
Otimismo entre revendas
Apesar da preocupação da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), representantes das revendas no Estado têm visão otimista e não veem, até o momento, possibilidade de grande impactos para o setor.
Até então, não há informações sobre possibilidade de aumento nos preços dos veículos zero quilômetro por conta da crise que pode resultar numa nova interrupção do fornecimento de semicondutores para as montadoras, segundo o diretor do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do Espírito Santo (Sincodives), José Geraldo Cunha.
Já Romeu Marroquio, diretor institucional da Associação de Revendedores Independentes de Veículos do Espírito Santo (Arives), disse que há muitas montadoras em no País e acredita que não terá problemas na produção de veículos.
“Talvez em alguma (montadora, de forma) pontual. Não acredito em aumento de preço tanto nos zero quilômetro e nem nos seminovos”, afirmou.
Entenda a situação
Conflito diplomático
O conflito diplomático entre a Holanda e a China, envolvendo a fabricante de chips Nexperia, pode resultar numa nova interrupção do fornecimento de semicondutores.
A crise dos chips, desencadeada nos últimos dias, é resultado direto de disputas geopolíticas envolvendo o controle de tecnologias e de minerais críticos, como as terras raras.
Como o Brasil importa praticamente todos os semicondutores que usa, e muitos desses componentes vêm de fornecedores que compram chips da Nexperia, o efeito em cascata já começou a se desenhar.
Esses componentes não possuem, no curto prazo, alternativas de fornecimento local ou regional, sendo críticos para o funcionamento de montadoras instaladas no Brasil, como Volkswagen, Stellantis, GM, Toyota, Hyundai, BYD, entre outras.
Impactos
O impacto nas fábricas do Brasil pode chegar em algumas semanas e pode ser semelhante ao do período da pandemia de covid-19, quando fábricas ficaram fechadas, houve layoff (suspensão temporária dos contratos de trabalho) e demissões.
Diante da nova crise prevista no setor, a Anfavea pediu apoio ao governo federal para evitar grandes impactos na indústria nacional. A entidade destaca que o setor emprega mais de 1,3 milhão de trabalhadores no Brasil.
O Sindipeças afirma que, nas últimas semanas, já observou “uma redução significativa na disponibilidade de componentes eletrônicos essenciais” para módulos de controle, sistemas de injeção e produtos de alta tecnologia usados em veículos leves, comerciais e industriais.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços disse que “o governo brasileiro está acompanhando os eventuais efeitos de interrupções da cadeia global de suprimento de semicondutores e está em diálogo com a indústria brasileira para buscar soluções que evitem danos às empresas e aos empregos”.
O IPVA é calculado com base no valor do veículo, definido pela tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Se os preços de novos e usados subirem, a tabela Fipe reflete esse aumento e o imposto acompanha, ou seja, o IPVA subiria no ano seguinte, caso haja valorização dos carros.
Fonte: Anfavea, Sindipeças, Agência Estado, Marcelo Loyola e Ricardo Paixão.
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