Viúvas podem ficar sem direito à herança com o novo Código Civil
Proposta em debate no Congresso prevê que cônjuge sobrevivente deixe de ser herdeiro direto caso exista descendente do falecido

O direito da viúva ou do viúvo à herança pode deixar de ser garantido por lei. Uma proposta de reforma do Código Civil, atualmente em debate no Congresso Nacional, prevê que o cônjuge sobrevivente deixe de ser herdeiro direto caso existam filhos, netos, pais ou avós da pessoa falecida.
Nessa situação, viúvas e viúvos teriam direito apenas à metade dos bens adquiridos durante o casamento, nos casos de comunhão parcial de bens. Só herdariam o patrimônio da pessoa falecida se não houvesse descendentes ou ascendentes, ou se houvesse testamento.
Hoje, o Código Civil de 2002 garante ao cônjuge não apenas participação na herança, mas também outros direitos, como a meação (parte dos bens adquiridos durante o casamento) e o direito de continuar morando no imóvel do casal. A proposta em discussão, no entanto, altera esse cenário.
Sandro Americano Câmara, especialista em Direito Público e mestrando em Direito e Políticas Públicas, lembra, no entanto, que o Projeto de Lei nº 4/2025 ainda está sendo analisado na Comissão Temporária no Senado.
Ainda haverá a tramitação pela Câmara dos Deputados antes de se transformar em lei, caso as mudanças sejam aprovadas e sancionadas pelo presidente da República.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), que é titular da Comissão Temporária para Atualização do Código Civil, apresentou uma emenda ao projeto de lei para restabelecer o direito de viúvas e viúvos à herança dos cônjuges falecidos. Para ele, a proposta corrige um ponto do texto original do projeto, que retira o cônjuge sobrevivente da condição de herdeiro necessário.
Segundo o senador, a medida representaria um grave retrocesso social e jurídico, especialmente para as mulheres, que historicamente estão mais sujeitas a uma situação de vulnerabilidade econômica após a perda do parceiro.
“O Estado deve reconhecer os direitos de quem construiu uma vida em conjunto, com dedicação, afeto e parceria. É mais do que justo que a lei continue assegurando proteção e dignidade a quem ajudou a edificar a própria história da família, principalmente quando se trata de um momento tão sensível como o luto”, afirmou Contarato.
Entenda
Projeto de lei
O Projeto de Lei (PL) 4/2025, que atualiza o Código Civil vigente, é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e foi protocolado em 31 de janeiro.
O texto substitui o Código Civil de 2002, alterando cerca de 900 pontos e incluindo outros 300.
Viúvas e viúvos
Uma das principais mudanças propostas é a retirada de cônjuges e companheiros do rol de herdeiros necessários em heranças, segundo Sandro Americano Câmara, especialista em Direito Público e mestrando em Direito e Políticas Públicas.
Assim, viúvas e viúvos teriam que ser indicados em testamento para receber, junto com filhos e netos, o patrimônio deixado pelo falecido.
Muda algo no regime de bens?
Carolina Romano, tabeliã de notas, professora da FDV e diretora do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado (Sinoreg-ES), ressalta que regime de bens do casamento é uma coisa, herança é outra.
“O ponto em debate é a herança, mas temos que esclarecer. Nos regimes de comunhão parcial de bens, existem os bens que são adquiridos durante o casamento e a lei presume que são de ambos. Há, nesses casos, meação. Ou seja, metade é de um, metade do outro. Isso não está sendo modificado com o projeto de reforma. Ocorre que, além dos bens ‘comuns’, existem os bens particulares, e sobre esses, hoje, o cônjuge é herdeiro junto com os descendentes.”
Simulação
João tinha um apartamento antes de casar. Depois que casou com Maria, tiveram dois filhos. Nesse caso, como explica Carolina Romano, se o regime for de comunhão parcial, o apartamento é considerado bem particular, por ter sido adquirido antes do casamento.
Na regra atual, esse apartamento seria dividido em três partes iguais: entre Maria e os dois filhos.
Na proposta de reforma, Maria não é mais herdeira. Sendo assim, o bem particular ficaria apenas para os dois filhos. Por outro lado, se João e Maria compraram uma casa já casados, continua tudo igual: metade é de Maria (meação), e os outros 50% são divididos entre os filhos (25% para cada um).
Pela legislação atual
O cônjuge ou companheiro é considerado herdeiro necessário, ou seja, tem direito à herança mesmo havendo filhos ou pais.
Pela proposta
A proposta do novo Código Civil muda esse panorama: o cônjuge sobrevivente deixaria de herdar automaticamente se o falecido deixar descendentes (filhos, netos) ou ascendentes (pais, avós). Nesse caso, o cônjuge ficaria apenas com a meação, ou seja, com a parte dos bens que já lhe pertence em virtude do regime de bens — isso, se for casado em comunhão parcial ou universal.
Se o regime for separação de bens, não teria direito a nada, com exceção se houver testamento.
E os custos com testamento? Carolina Romano explica que o valor depende. “Existe a previsão de testamento genérico, em que o testador não especifica bens, que, se for público, custa em torno de R$ 1.900. Mas existem os testamentos em que o testador individualiza bens, e aí o valor muda a depender do valor dos bens”.
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