Mortalidade materna de meninas até 14 anos é maior do que média brasileira
Dados mostram que, a cada ano, cerca de 300 mil crianças e adolescentes dão à luz no Brasil

A mortalidade materna entre meninas de 10 a 14 anos é superior à registrada em outras faixas etárias, mostram dados do SUS (Sistema Único de Saúde) compilados pelo Observatório Criança Não é Mãe, lançado nesta segunda-feira (13).
Enquanto o Brasil registra taxa de 52,27 mortes gravídico-pueperais (ou seja, durante a gestação ou o pós-parto imediato) a cada 100 mil nascidos vivos, o número para meninas de 10 a 14 anos é de 62,57 mortes no mesmo intervalo.
Neste ano, uma menina de 12 anos morreu na região metropolitana de Belo Horizonte após a realização de um parto de emergência -ela estava grávida de oito meses.
O projeto é uma parceria entre o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde e a ONG Projeto Vivas e reune dados de gestação na infância e na adolescência no Brasil, em especial com foco na cidade de São Paulo. No momento, os dados vão até 2024, e foram registrados no DataSUS em três sistemas: Sinasc (Sistema de Nascidos Vivos), SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade) e SIH (Sistema de Informações Hospitalares).
A advogada Letícia Ueda, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, diz que o observatório tem o objetivo de tornar os dados mais acessíveis para a população, já que reúne e os apresenta de forma gráfica, já interpretados.
"A mudança acontece a partir do momento que você tem base científica e dados que amparem alterações, sejam legislativas, sejam modificações em políticas públicas, para que a gente promova transformações com base naquilo que efetivamente está acontecendo dentro do território", afirma.
Os dados mostram que, a cada ano, cerca de 300 mil crianças e adolescentes dão à luz no Brasil. No ano de 2021, foram registrados 17.456 nascidos vivos de crianças com menos de 14 anos e 13.934 nascidos vivos de pessoas com menos de 14 anos em 2023.
Entre 2019 e 2023, foram registrados 38 nascidos vivos de crianças de 10 a 14 anos que já haviam tido gestações anteriores: 35 tiveram uma gestação anterior e três tiveram duas gestações anteriores.
Ueda indica esse dado como uma falha no sistema de proteção à criança. "O profissional que faz o atendimento não identifica aquele caso como uma situação de violência e não toma as providências necessárias para garantir a proteção dessa criança ou desse adolescente. E ela permanece exposta no cenário de violação de direitos e muitas vezes permanece em cenários em que ela continua sendo vítima de violência sexual."
Isso porque, segundo o art. 217-A do Código Penal, praticar qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos é considerado estupro de vulnerável, independentemente do consentimento da vítima.
Em 2024, segundo o observatório, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública registrou 87.545 vitimas de estupro no país. A maioria sendo meninas (77,7%), negras (55,6%), de no máximo 13 anos (61,4%) e estupradas por familiares ou conhecidos (83,9%), dentro de sua s próprias casas (67,9%).
"Os dados só confirmam aquilo que o movimento de mulheres negras vem trazendo há muito tempo, que a raça-cor e que a classe social são elementos fundamentais para a gente pensar uma maior exposição de pessoas a questões que colocam elas diante de violações de direitos", diz Ueda.
O observatório notou que há lacunas em determinados dados, como na ocupação e na identidade de gênero das pessoas. "Essas lacunas de informação impedem que a gente entenda o que efetivamente está acontecendo com determinadas camadas da população, porque a partir do momento que você sequer mapeia, você não tá produzindo política pública", afirma.
A gravidez na infância e na adolescência apresenta mais riscos, diz Olímpio Moraes, membro da Comissão Nacional Especializada em Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista Em Lei e Vice Presidente da Região Nordeste da Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Ele também é ex-diretor do Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros) da Universidade de Pernambuco, serviço de referência na realização de aborto legal que já atendeu casos emblemáticos como o da menina de 10 anos do Espírito Santo, em 2020.
Algumas complicações são pré-eclâmpsia, parto prematuro e hemorragia. Outra questão é que nessa idade o acompanhamento pré-natal é normalmente inadequado, o que pode ter outras consequências.
"A grande maioria não é fruto de uma gravidez desejada e planejada. Principalmente porque [relação sexual com] menores de 14 anos, por lei, é estupro", explica sobre a não realização do pré-natal. Crianças e adolescentes muitas vezes tendem a esconder ou desconhecer a gestação até que ela se torne visível, o que implica na procura tardia de um centro de saúde e também em uma maior dificuldade de acesso ao aborto legal.
A legislação brasileira prevê que todas as crianças e adolescentes até 14 anos têm direito ao aborto legal, já que ele é permitido em três casos: estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto.
Olímpio afirma que o número de mortes gravídico-puerperais poderia ser diminuído se o aborto legal fosse tratado como um problema de saúde pública. "Deve ser tratado oferecendo educação sexual, acesso fácil a métodos contraceptivos e um aborto seguro, porque aí ela pode ter acesso a um método seguro para não engravidar novamente."
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