Metanol usado para adulterar bebidas veio de postos de gasolina, diz polícia
Investigação mostrou como fábrica clandestina em São Paulo misturava substância a destilados
O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, afirmou nesta sexta-feira (10) que o metanol usado na produção de bebidas adulteradas em uma fábrica clandestina de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, foi adquirido de postos de combustíveis.
Segundo as investigações, o grupo criminoso comprava etanol adulterado com metanol, substância altamente tóxica e de uso industrial, para misturar a destilados como vodca e uísque.
A fábrica clandestina, que repassava bebidas para distribuidoras —incluindo uma responsável por abastecer o Bar Torres, na Mooca, zona leste de São Paulo— foi descoberta e interditada após a morte de duas pessoas por intoxicação. As vítimas, Ricardo Lopes, 54, e Marcos Antônio Jorge Júnior, 46, consumiram bebidas contaminadas no bar, que também foi interditado pela Vigilância Sanitária.
A proprietária da fábrica foi presa no local, e o marido dela é procurado sob suspeita de envolvimento. Em comunicado divulgado nas redes sociais, o bar Torres afirmou que colabora com as autoridades e que "todas as bebidas são originais, adquiridas apenas de fornecedores oficiais e com nota fiscal, garantindo procedência e confiança".
Em coletiva de imprensa nesta sexta, Derrite destacou que a compra de etanol em postos de gasolina para fabricação de bebidas já é ilegal, mas que há indícios de que os envolvidos não soubessem que o produto continha metanol. Ele afirmou que as autoridades agora investigam a origem do combustível adulterado e buscam o posto ou rede de postos que teria feito a venda irregular.
O secretário disse ainda que, apesar da gravidade do caso, não há motivo para pânico. "A investigação já identificou a cadeia de distribuição e os pontos de contaminação. Isso nos permite concentrar a fiscalização e tranquilizar a população, porque não há indícios de que o problema esteja disseminado em todo o estado."
O estado de São Paulo confirmou até esta quinta-feira (9) 23 casos de intoxicação por metanol, incluindo cinco mortes.
Derrite também afirmou não haver indícios de que o PCC (Primeiro Comando da Capital) esteja envolvido na adulteração das bebidas. Embora seja possível que o grupo tenha alguma relação com o metanol nos postos de combustíveis, por causa das investigações da Operação Carbono Oculto, até o momento não há evidências de que os criminosos que adulteravam o etanol dos postos soubessem que ele seria comprado por terceiros para a produção de bebidas falsificadas.
"Até aqui não tem nenhum indício. O que aconteceu, que nós estamos concluindo, é que criminosos foram prejudicados por uma organização criminosa", afirmou. "Então, o crime organizado, lucrando exponencialmente, tanto com a lavagem de dinheiro, usando CNPJs dos postos de combustíveis, e lucrando com a adulteração do etanol com o metanol, na verdade essa organização criminosa prejudicou esses criminosos que fazem a adulteração da bebida", acrescentou.
"Agora, ligação entre eles parece não haver, não tem nenhum indício até aqui de que eles estejam, de fato, juntos nesse processo, nessa cadeia ilícita. Até porque nenhum criminoso preso ou investigado é faccionado, eles não têm a mesma centralização de advogados, isso que é característico da própria organização criminosa", concluiu o secretário.
Na terça (7), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, disse que a Polícia Federal investiga se o metanol usado nesses casos é o mesmo que teria sido abandonado após ação policial contra a infiltração do crime organizado em postos de combustível e no setor financeiro.
O QUE FOI A OPERAÇÃO CARBONO OCULTO?
No dia 28 de agosto, uma força-tarefa com 1.400 agentes cumpriu mandados de busca, apreensão e prisão em empresas do setor de combustíveis e do mercado financeiro que têm atuação nesse segmento e são utilizadas pelo PCC. A meta era desarticular a infiltração do crime organizado em negócios regulares da economia formal. A ação aconteceu em São Paulo e outros nove estados.
Parte do esquema investigado envolvia desvio de metanol e adulteração de combustíveis. A prática, além de ilegal, pode prejudicar seriamente alguns veículos, segundo especialistas. De acordo com informações que o promotor Yuri Fisberg, do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) disse à Folha de S.Paulo na época, alguns postos fiscalizados como parte da investigação no estado de São Paulo tinham até 90% de metanol no combustível. O máximo definido pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) é 0,5%.
O metanol é um solvente industrial e matéria-prima da produção de formol, inflamável e tóxico, mas tem características de combustível.
Após os casos de intoxicação por metanol em bebidas adulteradas, a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) divulgou uma nota em que alegava que o metanol usado pelo PCC para adulterar combustível pode ter sido revendido a destilarias clandestinas depois de ações da Carbono Oculto.
Para a ABCF, "o fechamento nas últimas semanas de distribuidoras e formuladoras de combustível diretamente ligadas ao crime organizado, que importam metanol de maneira fraudulenta para adulteração de combustíveis, conforme já comprovado por investigações do Gaeco e do MP de SP, podem ser a causa dessa recente onda de intoxicações e envenenamentos de consumidores que, ao tomar bebidas destiladas em bares e casas noturnas, apresentaram intoxicação por metanol".
"Ao ficar com tanques repletos de metanol lacrados e distribuidoras e formuladoras proibidas de operar, a facção e seus parceiros podem eventualmente ter revendido tal metanol a destilarias clandestinas e quadrilhas de falsificadores de bebidas, auferindo lucros milionários em detrimento da saúde dos consumidores", acrescentou a associação.
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