Home office: empregados convocados ao trabalho presencial recorrem à Justiça
Empregados chamados ao trabalho presencial recorrem e, em alguns casos, conseguem liberação para ficar ativos a distância

Ter um filho no espectro autista, uma mãe acamada ou algum familiar em condição de dependência por conta de uma deficiência são alguns dos motivos que levaram a Justiça do Trabalho, nos últimos anos, a reconhecer o direito de trabalhadores a permanecer em teletrabalho — ou home office — ou até a reduzir sua jornada de trabalho.
Em um dos casos, uma funcionária de uma empresa pública, moradora de Fortaleza, no Ceará, recebeu permissão do Tribunal Regional do Trabalho da 7 Região (TRT-7) a permanecer no estado do Nordeste do País após ser obrigada pelo empregador a se mudar para Vitória, no Espírito Santo.
Na decisão, o juiz do trabalho Vladimir Paes de Castro alegou a proteção do trabalho feminino como objetivo, considerando que ela possuía laços familiares enraizados na cidade, filhos adolescentes em momentos distintos de vida, e com o marido vinculado a um cargo público municipal.
A dignidade humana, o direito à saúde e a função social do trabalho, entre outros princípios constitucionais, são pontos levados em consideração e abordados nas sentenças, salienta o advogado especialista em Direito do Consumidor Yghor Del Caron Dalvi.
“Existem princípios constitucionais que são garantidos e que a Justiça do Trabalho segue, como esses. Mas no regime estatutário para servidor público, há também a situação de haver a previsão de garantia do home office em casos semelhantes”, diz.
Em um segundo caso, uma funcionária dos Correios teve o teletrabalho mantido por ser responsável pelo filho com deficiência intelectual e pela mãe idosa, com base nos princípios da dignidade humana e da proteção à criança.
Prerrogativa
Para o advogado Alberto Nemer, porém, esse tipo de decisão, embora seja moralmente positiva, fere o que a legislação estabelece: que mudar de regime é uma prerrogativa da empresa. “Embora humanamente eu tenda a concordar com a decisão, ela tecnicamente extrapola as prerrogativas da lei e fere a segurança jurídica”, afirma.
Casos
Sem voltar a Vitória
Uma decisão em tutela de urgência, proferida pela Justiça do Trabalho do Ceará no dia 25 de março, garantiu que uma trabalhadora pudesse se manter em home office ou em regime de trabalho semipresencial em Fortaleza ou Região Metropolitana.
A empresa pública para a qual ela trabalha havia determinado seu regresso ao trabalho presencial na unidade de Vitória (ES).
O juiz do trabalho Vladimir Paes de Castro suspendeu a ordem de retorno, alegando “perspectiva de gênero”, com o intuito da proteção social do trabalho feminino e como forma de evitar a desestabilização familiar. O caso é de 2022.
Cuidar do filho e da mãe
Decisão da 76ª Vara do Trabalho de São Paulo determinou que os Correios mantivessem o teletrabalho de uma funcionária responsável pelo filho com deficiência intelectual e pela mãe idosa. O juiz baseou a decisão nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção à criança, entendendo que o retorno presencial representaria afronta a esses direitos.
A trabalhadora já desempenhava suas funções em regime de home office desde setembro de 2021. Contudo, em maio deste ano, foi notificada da decisão unilateral da empresa em alterar a modalidade para trabalho presencial, informa o site Migalhas.
O juiz ainda ressaltou que as avaliações de desempenho da autora nos anos anteriores demonstram resultados positivos e equivalentes aos do período de trabalho presencial.
Pessoa com autismo
A 14ª Vara do Trabalho de Vitória determinou redução da jornada de uma servidora celetista de 40 para 20 horas semanais, sem prejuízo da remuneração.
A decisão beneficia a mãe de duas filhas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), garantindo a ela mais tempo para oferecer assistência contínua, indispensável devido ao acompanhamento multidisciplinar necessário às crianças.
A empregada declarou ter três filhos, sendo duas meninas diagnosticadas com TEA, que precisam de acompanhamento diário e contínuo com fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional e neuropsicólogo.
Saiba Mais
Quando é possível pedir à Justiça
Cláusula contratual
Se o trabalhador já tiver um contrato de teletrabalho ou aditivo contratual formalizando essa modalidade, ou se a empresa já adotou de fato o teletrabalho por longo período sem oposição, ele pode reivindicar judicialmente que essa situação continue.
A formalidade é importante: é exigido que fique claro no contrato individual quais atividades serão realizadas remotamente.

Situação excepcional de saúde
Quando houver risco à saúde do trabalhador ou de pessoa do seu convívio, como cônjuge, filhos ou pais, ou quando ele próprio possui doenças que justifiquem isolamento ou redução de exposição, isso pode fundamentar um pedido judicial para permanecer em home office.
Cuidado com PCD ou autistas
Trabalhadores responsáveis por pessoas com deficiência ou com transtorno do espectro autista (TEA) podem pedir à Justiça o direito de permanecer em home office. Essa possibilidade vem sendo amparada em decisões que aplicam os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à família, considerando o dever de cuidado e acompanhamento diário.
Alteração onerosa
Quando o empregado muda de cidade ou estado e o retorno ao presencial implica custos excessivos ou inviabilidade logística, pode pleitear judicialmente a manutenção do regime remoto.
Essa hipótese é aceita especialmente se o deslocamento comprometer o vínculo familiar ou causar prejuízos financeiros relevantes.
Ausência de justificativa razoável
O empregador tem poder de determinar o retorno ao presencial, mas esse poder deve ser motivado. Se não houver justificativa objetiva — como necessidade operacional ou atendimento presencial ao público —, o juiz pode entender que a decisão é abusiva e garantir a continuidade do teletrabalho.

Risco de danos ou prejuízos
Quando o retorno causa danos materiais, psicológicos ou familiares, a Justiça pode intervir. Casos em que o presencial gera custos desproporcionais, interfere no cuidado de familiares ou agrava condições de saúde já serviram de base para decisões favoráveis à permanência no home office.
Filhos em idade escolar
A Lei 14.442/2022 estabelece prioridade para vagas de teletrabalho para empregados que tenham filhos ou que sejam responsáveis pela guarda judicial de criança de até 4 anos de idade.
Esse critério pode servir de base para ação judicial se o trabalhador tiver essa condição e estiver sendo obrigado a retornar ao presencial, desde que suas tarefas permitam o trabalho remoto.
Gestante
As gestantes têm tido tratamento diferenciado em leis e decisões judiciais em emergências sanitárias, como a pandemia da covid-19. A legislação garantiu regime de teletrabalho ou formas de trabalho a distância para gestantes, enquanto durasse a emergência.
Se gestantes não estiverem imunizadas, ou se houver risco sanitário elevado, podem fundamentar pedido para manter o regime remoto.
Trabalhadoras lactantes
Trabalhadoras que amamentam ou que passaram recentemente pelo nascimento do filho têm sido contempladas em normas administrativas com regime de teletrabalho ou adaptado após o parto.
Fontes: Especialistas citados na reportagem.
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