TRF4 condena Bolsonaro a pagar R$ 1 milhão por falas racistas
Ex-presidente e União devem indenizar danos morais coletivos; decisão é unânime e inclui retratação pública

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) determinou, nesta terça-feira (16), que o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro indenize em R$ 1 milhão por danos morais coletivos em razão de declarações de teor racista feitas em 2021. A União também foi condenada ao pagamento do mesmo valor. A decisão, tomada pela 3ª Turma do tribunal, foi unânime.
A ação foi apresentada em julho de 2021 pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Defensoria Pública da União (DPU). O processo teve origem após Bolsonaro, então presidente da República, dirigir-se a um apoiador nos arredores do Palácio da Alvorada — espaço conhecido como “cercadinho” — com falas classificadas como discriminatórias.
Declarações ofensivas
Nos dias 4 e 6 de maio de 2021, Bolsonaro teria se dirigido ao cidadão com comentários como: “o que você cria nesta cabeleira aí” e “tô vendo uma barata aqui”. Em 8 de julho, voltou a se referir ao mesmo indivíduo com frases como: “olha o criador de baratas!”, “como tá essa criação de baratas?” e “você não pode tomar ivermectina, vai matar todos os seus piolhos”.
Ainda no mesmo dia, durante o programa “Live do Presidente” nas redes sociais, reforçou as manifestações com colocações como: “se eu tivesse um cabelo desse naquela época minha mãe me cobriria de pancada”, “vocês veem como é difícil fazer brincadeira no Brasil?” e “se criarem cotas para feios você vai ser deputado federal”.
Recursos e argumentos do MPF e DPU
O caso chegou ao TRF4 após o processo ter sido extinto em primeira instância pela 10ª Vara Federal de Porto Alegre, que considerou que as falas se referiam a um único indivíduo, sem configurar lesão de natureza coletiva.
O MPF e a DPU recorreram, argumentando que as condutas do ex-presidente extrapolavam a ofensa individual, configurando discurso discriminatório contra qualquer pessoa negra. Também apontaram violação de preceitos constitucionais e de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Voto do relator
O relator do processo, desembargador federal Rogerio Favreto, afirmou que as manifestações atingem direitos coletivos. “A ofensa racial disfarçada de brincadeira, que associa o cabelo Black Power a insetos e sujeira, atinge a honra e a dignidade das pessoas negras, perpetuando estigmas históricos de inferioridade”, destacou.
Favreto acrescentou que o conteúdo não se enquadra no exercício do direito à liberdade de expressão, já que se complementava com risos de desprezo, configurando racismo recreativo e contribuindo para a reprodução da ideia de supremacia branca.
Penalidade e destino do valor
O voto de Favreto foi seguido pelos desembargadores Cândido Alfredo Silva Leal Júnior e Roger Raupp Rios, resultando em decisão unânime. Além do pagamento de R$ 1 milhão, corrigido monetariamente desde a data dos fatos, Bolsonaro deverá fazer retratação pública à população negra em veículos de imprensa de abrangência nacional e em suas redes sociais.
O valor será destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), que financia projetos de reparação, prevenção e fiscalização de danos a direitos coletivos. Ainda cabe recurso da decisão às cortes superiores.
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