Entre o azul e o vermelho corporativo – o verde subjetivo
"A cor do balanço costuma decidir se respiramos aliviados ou se a próxima reunião de resultados será ensurdecedora e silenciosa"

Há um arco-íris corporativo que tensiona decisões. A cor do balanço costuma decidir se respiramos aliviados ou se a próxima reunião de resultados será ensurdecedora e silenciosa, se sairemos para o almoço ou se seremos o próprio almoço. Estamos no azul: lucro, festa. Estamos no vermelho: prejuízo, silêncio. É uma linha tênue entre a catarse e o vazio que pesa.
Mas nesse imaginário há nuances que tensionam e trazem mais cores a esse arco-íris. Como colocar o verde? O verde vem pintando o mundo em narrativas por vezes surreais que separam mocinhos e bandidos. É a carta na manga de pseudoespecialistas, que nos impõem narrativas, reduzem o passado a um erro e sugerem que, de um instante para o outro, se apague o que, no conceito puro da sustentabilidade, nos sustentou até hoje.
É uma nova carta, que nos faz embaralhar o jogo, de novo. Investidores querem relatórios ESG, governos falam de transição energética, clientes perguntam sobre carbono, comunidades em sua justa busca por contrapartidas e enquanto isso, há um sufoco coletivo que nos remete à poesia de Drummond: E agora José?
De repente, a empresa não precisa só fechar no azul, mas também provar que está “verde”, mas quando os tons não combinam, enfurecido entra na sala de reunião duas convidadas inoportunas: Sobrevivência e Exigência.

Aqui nasce o ponto de inflexão, uma contradição pouco assumida, que por vezes se esconde por detrás de narrativas vultuosas, presunçosas e que – não raro – bradam os “o ques” sem dizer os “comos”. Apontar o que é importante é necessário, mas sem direção é só subir rápido a escada errada.
Por mais que seja latente e necessário debater de forma clara a agenda climática, os fatos que se impõem ao debate lembram uma verdade menos confortável — aquela que críticos barulhentos, de escuta seletiva, preferem evitar: a única sustentabilidade que sustenta a empresa é a financeira.
Sem caixa, não há relatório que sobreviva, nem propósito que pague salário. Mas por outro lado, insistir que responsabilidade ambiental não importa já não encontra eco. O mesmo mercado que pune quem ignora, recompensa quem entrega. Não porque acredita, mas porque a narrativa exige — e nem sempre a recompensa vira resultado.
E que narrativa é essa? A que transforma pauta social em obrigação moral terceirizada para as empresas. Espera-se que uma fábrica compense falhas do Estado, que a transportadora resolva emissões globais, que a startup salve a democracia digital. A empresa vira um híbrido de banco, ONG e poder público — e ainda precisa dar lucro.
Entre o verde da pauta ambiental e o vermelho das contas a pagar, o empresário se vê num corredor estreito. Se olhar só para o caixa, corre o risco de ser acusado de reducionista, míope e que só pensa no lucro. Por outro lado, se olhar só para o discurso ESG, pode quebrar abraçado ao relatório. E se tentar equilibrar, descobre que a régua não é dele: é a de quem cobra “propósito” e do cliente que exige “responsabilidade” — ainda que, na prática, escolha sempre o menor preço.
Esse é o corredor onde estamos: de um lado, a sobrevivência financeira; do outro, a obrigação social e ambiental. No meio, contradições que ninguém resolve, mas todos expõem com ar professoral. O verde e o vermelho não são cores opostas. São lados de um mesmo balanço — e talvez a verdadeira gestão esteja menos em escolher uma delas e mais em admitir que o cinza é inevitável — e que, às vezes, o pouco é muito, porque é o que há para oferecer.
Jaques Paes é consultor, mentor de profissionais em transição de carreiras, especialista em gestão e professor do MBA de ESG e Sustentabilidade da FGV
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