Goiana, onde o mar é sagrado e a memória resiste
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Enquanto o litoral sul de Pernambuco ostenta águas cristalinas e concentra os olhares de turistas em Porto de Galinhas, o norte começa a revelar sua força não apenas na área industrial. Goiana é semre uma descoberta: cidade onde o verde dos canaviais encontra o azul e o café com leite do mar, onde os mangues estendem galhos como braços de boas-vindas, e onde a fé se mistura à resistência.
É um território de contrastes, onde se respira ao mesmo tempo o barulho das indústrias, o cheiro dos canaviais que ondulam ao vento e o sal que sopra das ondas. Um lugar em que o mar é sustento, e em que cada rua, igreja ou batuque guarda a memória de um povo que fez da cultura a sua maior arma contra o esquecimento.
O litoral que desperta
A quem chega, ela oferece um cheiro duplo: o verde das canas que tremem ao vento e o sal das águas calmas que se derramam em Ponta de Pedras, Carne de Vaca e Catuama. A quem olha o mar, um espetáculo de cores: em Ponta de Pedras, verde para quem está à beira, azul profundo para quem se aventura ao alto-mar.
Já em Carne de Vaca, área de preservação ambiental, a água se mistura ao rio e ao mangue, assumindo um tom de café com leite sob um céu imenso e azul, uma cor única em todo o litoral do estado. Ali, onde o rio abraça o mar e as árvores do manguezal estendem galhos como braços de boas-vindas, o visitante aprende que não há fronteira entre natureza e espiritualidade.
O mar de Goiana é pão e altar. Sustenta famílias de pescadores e marisqueiras, que ensinam aos filhos o gesto ancestral de retirar o marisco da areia com as próprias mãos. É também templo para quem descobre, no esforço do corpo, a beleza de respeitar quem dali tira a sobrevivência.
A cidade dos patrimônios vivos












Localizada a 64 quilômetros do Recife, Goiana não se limita ao mar. No coração da cidade, pulsa um mosaico cultural que faz dela a campeã dos Patrimônios Vivos de Pernambuco. São onze mestres, grupos e tradições reconhecidos oficialmente, além da Procissão da Lenha, ritual quilombola que se tornou Patrimônio Imaterial do Estado.
Ali estão Zé do Carmo, escultor que transformou o barro em poesia; o maestro Duda, criador de frevos imortais; e as bandas Curica e Saboeira, filarmônicas que tocam sem interrupção há mais de um século, as mais antigas da América Latina. Também estão as Pretinhas do Congo, as Heroínas de Tejucupapo, os Caboclinhos União de 7 Flechas, o Canindé e o Cahetés, além da Tribo de Índios Tabajara e do artesão Lourenço Luna, que da cana-brava retira fibra para tecer arte.
“Goiana é uma cidade que detém uma cena cultural muito viva e vasta”, resume o secretário de Turismo e Desenvolvimento Cultural, José Ítalo César da Cunha, conhecido por todos como Ítalo Coco. Para ele, essa diversidade é a chave para compreender por que a cidade reúne tanto patrimônio.
“Esse reconhecimento advém dessa pluralidade artístico-cultural que a cidade detém. A Zona da Mata Norte tem muito disso. Goiana, por fazer parte da história de Pernambuco desde o início da colonização, não poderia ser diferente.”
A procissão que carrega fogo e memória

Entre os patrimônios imateriais de Goiana, nenhum traduz tanto a união entre fé e resistência quanto a Procissão da Lenha. Realizada na comunidade quilombola de São Lourenço, em Tejucupapo, ela acontece sempre em 10 de agosto, dia do padroeiro São Lourenço Mártir.
O cortejo é simples e grandioso ao mesmo tempo. Homens, mulheres, jovens e crianças saem pelas ruas carregando pedaços de madeira, galhos secos e feixes de lenha sobre os ombros e nas mãos. O som dos batuques acompanha cada passo, transformando o esforço físico em ritual coletivo.
A procissão termina diante da igreja matriz da comunidade, onde a lenha é depositada. No dia 30 de agosto, todo aquele material acumulado é queimado.
Segundo Ítalo Coco, as chamas não são apenas símbolo religioso: evocam o martírio de São Lourenço, queimado vivo por defender os cristãos, e, ao mesmo tempo, a resistência do povo quilombola que mantém viva sua fé e sua identidade.
Mais que devoção, a procissão é um ato de memória. O fogo que consome a lenha é o mesmo que aquece a identidade da comunidade, transmitindo às novas gerações a certeza de que tradição não se apaga.
Igrejas que guardam séculos

Se o mar é a beleza e o alimento para o corpo, as igrejas de Goiana são muralhas de fé. São nove templos tombados pelo Iphan, erguidos entre os séculos XVII e XIX, testemunhas de um povo que soube transformar devoção em pedra e argamassa.
Na lista estão a Igreja do Carmo, a do Rosário dos Pretos, a da Misericórdia, a da Conceição, a do Amparo — hoje Museu de Arte Sacra —, além do Convento da Soledade e da Capela de Santo Antônio, que pertenceu a André Vidal de Negreiros, herói da Insurreição Pernambucana. Entrar em cada uma delas é atravessar camadas da história: o barroco, a luta contra os holandeses, o silêncio das irmandades negras, o brilho dos altares dourados.
A força das Heroínas

Talvez nenhuma memória seja tão marcante quanto a das Heroínas de Tejucupapo. Em 1646, as mulheres do vilarejo, munidas de paus, pedras, água fervente com pimenta e coragem desmedida, enfrentaram os soldados holandeses que tentavam invadir a região. Essa narrativa de resistência feminina não é apenas lembrada: é encenada todos os anos, reafirmando a coragem das antepassadas e ensinando que a história de Pernambuco também foi escrita por mãos de mulheres anônimas.
O litoral como promessa

Ítalo Coco insiste que Goiana não pode ser reduzida ao passado. O presente está no litoral, que desponta como alternativa ao turismo de massa do Sul. “Estamos trabalhando incansavelmente para despertar o olhar do turista pernambucano a vir visitar nosso litoral, que detém, além da beleza natural, uma rica gastronomia, cultura popular, belas igrejas seculares, naufrágios e fauna marinha preservada”, explica.
É um litoral ainda em descoberta. Em Ponta de Pedras, jangadas cruzam o horizonte enquanto crianças brincam em águas tranquilas e mornas. Em Carne de Vaca, a fusão do rio com o mar cria um espetáculo de águas turvas, mas não menos belas, onde o silêncio é quebrado pelo som das vozes e das aves do mangue.
Festas que celebram a memória
Neste fim de semana, Goiana vive sua Semana do Patrimônio. Entre outras apresentações, o Homem da Meia-Noite, símbolo do carnaval olindense, atravessa ruas coloniais ao lado de caboclinhos e congadas, como se o passado e o presente dançassem juntos.
No palco, a Spok Frevo Orquestra, O Conde e Silvério Pessoa reafirmam a vitalidade da música pernambucana.
É a celebração de uma cidade que não teme ser ponte: entre litoral e mata, entre sagrado e profano, entre tradição e modernidade.
Goiana, mar e sagrado

Se o litoral sul é a vitrine, o norte é o coração que pulsa escondido, agora pronto para se mostrar. Como os Stark em Game of Thrones, Goiana se ergue com força silenciosa, trazendo consigo a promessa de que o futuro de Pernambuco não está apenas nas águas claras de Porto de Galinhas, mas também no café com leite de Carne de Vaca, no verde profundo de Ponta de Pedras, no fogo da Procissão da Lenha e no som das filarmônicas que nunca deixaram de tocar.
Goiana é resistência pura. Seu mar é altar e sustento. Suas igrejas, muralhas de fé. Seus mestres e grupos, guardiões de uma memória que não envelhece.
O bem que precisa ter holofotes
Os agricultores familiares de Pernambuco doaram, entre o final do mês passado e início deste mês, aproximadamente 148,9 toneladas de alimentos para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. As informações são Companhia Nacional de Abastecimento (Conab.
A iniciativa fez parte do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), na modalidade Compra com Doação Simultânea (CDS), com recursos da Conab, que adquiriu os produtos como forma de incentivar e fortalecer a produção local.
Belém de Maria
A Associação dos Trabalhadores do Assentamento Normandia, com 22 produtores entregou 65,4 toneladas de frutas e hortaliças ao CRAS de Belém de Maria. O investimento da Conab foi de R$ 316,18 mil para apoiar a produção e comercialização.
Gravatá
Na zona rural, 14 agricultores da APROBARRA forneceram 28,16 toneladas de banana da terra, cará de São Tomé e chuchu. Os alimentos foram para o CRAS local, com aporte de R$ 200 mil da Conab.
Brejo da Madre de Deus
A Associação Vale do Açudinho e Adjacências doou 55,3 toneladas de frutas e hortaliças. Os produtos foram para entidades sociais e o CRAS de Jataúba, em ação que conta com R$ 284,97 mil da Conab.
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