Propostas do governo e do Congresso dão a agência poder para aplicar sanções em big techs; entenda
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BRASÍLIA- Tanto a proposta do governo federal como a do Congresso querem que uma autoridade nacional, na figura de uma agência, seja responsável por regular a atividade de big techs no País. As propostas dão essa agência poder de aplicar sanções nas plataformas digitais.
Uma minuta do projeto de lei que será enviado pelo governo na próxima semana, à qual o Estadão teve acesso, inclui uma ampliação da estrutura da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para atuar junto às grandes plataformas digitais, com aumento do quadro funcional e de seu escopo de atribuições. O rascunho ainda pode sofrer alterações antes de ser enviado ao Legislativo. Na quarta-feira, 20, integrantes do governo devem se reunir com representantes das plataformas digitais para debater o tema.
O governo planeja transformar 797 cargos vagos atualmente em 218 cargos e funções de confiança para atuar na agência, de forma que não haja aumento de despesas. Entre outros pontos, o projeto desenhado pelo governo prevê que a agência tenha autonomia para:
- Editar normas, definir procedimentos e estabelecer padrões relacionados aos deveres das plataformas e direitos dos usuários;
- Fiscalizar, acompanhar e adotar medidas de controle, como a aplicação de sanções;
- Estabelecer padrões e canais de comunicação seguros com os com as plataformas para o compartilhamento de informações.
A aplicação de sanções pela autoridade nacional deve ocorrer em caso de falha sistêmica — isto é, quando a plataforma deixa de adotar medidas adequadas de prevenção ou remoção dos conteúdo ilícito, em violação do dever de atuar de forma responsável, transparente e cautelosa.
A proposta do governo prevê a suspensão das atividades das empresas que descumprirem reiteradamente com suas obrigações sistêmicas, por 30 dias prorrogáveis por mais 30. Essa punição só seria alcançada após uma série de outras sanções, que vão de advertências e multas até a vedação do serviço, e não têm relação com a retirada de conteúdo das redes sociais.
Ou seja, quem pede a remoção de conteúdo considerado ilícito das plataformas não é o órgão regulador, mas outras partes, como o Ministério Público ou a própria vítima, como já ocorre hoje em dia.
Dentro desse universo de atuação, a ANPD também terá previsão legal para fazer requisições e acessar dados das empresas. A minuta do governo estabelecer, por exemplo, que a agência possa:
- Requisitar informação, dados e documentos;
- Acessar sistemas e bases de dados;
- Intimar para apresentação de esclarecimentos;
- Realizar inspeções in loco;
- Criar canal de denúncia;
- Fazer auditoria sobre algoritmos e dados dos sistemas de fornecedores de serviços digitais de grande porte.
No Congresso, o projeto de lei do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que trata da proteção de crianças e adolescentes de abusos no ambiente digital, prevê que a “autoridade nacional ficará responsável por fiscalizar o cumprimento da lei em todo o território nacional e poderá editar normas complementares para regulamentar os dispositivos”. Mas não cita qual órgão ficará responsável pela atribuição.
O texto de Vieira permite à autoridade nacional aplicar penalidades às plataformas que descumprirem suas obrigações de proteção a crianças e adolescentes previstas na lei. O órgão poderá impor advertências e multas simples, de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil ou até um total de R$ 50 milhões, à suspensão temporária de atividades e mesmo à proibição de exercício das atividades.
Ao Estadão, no entanto, o relator do projeto na Câmara, deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), afirmou que o incremento da ANPD seria a melhor opção.
“Não podemos criar uma nova entidade, por ser matéria de competência privativa do Executivo. Nos diálogos estabelecidos com o governo, bem como da participação na audiência pública, foi indicado que a autoridade adequada poderia ser a ANPD”, disse.
A autoridade responsável por regular e fiscalizar as plataformas digitais é ponto sensível desde as discussões do antigo projeto 2630, conhecido como “PL das Fake News” e engavetado após naufragar diante da resistência bolsonarista.
Em fevereiro, em meio ao impasse no governo Lula sobre o tema, os deputados federais Silas Câmara (Republicanos-AM) e Dani Cunha (União-RJ) tentaram se antecipar à iniciativa federal e protocolaram um projeto de lei para estabelecer diretrizes para as redes sociais.
O texto designava a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como autoridade competente para regular as plataformas, ao lado da ANPD — e despertou desconfiança da ala técnica do governo, que via na proposição uma articulação da Anatel para ganhar poder.
Carlos Manuel Baigorri, presidente da Anatel, defendeu a proposição em conversa com o Estadão. A agência contribuiu para as discussões do projeto por meio de debates em meados de 2024 nos seminários da Comissão de Comunicação Social, presidida por Câmara.
“É um projeto bastante equilibrado no que diz respeito a criar responsabilidade e deveres para as plataformas. Mantém intactas as questões de liberdade de expressão, e não tipifica qual conteúdo pode ou não (ser publicado)”, afirmou ele à época.
Especialistas consultados se mostraram críticos da ideia de promover a Anatel ao posto de autoridade competente, uma vez que, dizem eles, a agência sofre influência das grandes prestadoras de telefonia e tem um trabalho mal avaliado pela população. A análise é compartilhada por alguns membros do governo federal.
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