Briga na Justiça para provar autismo e garantir vaga na Ufes
Júlia Porto Alvarenga, de 20 anos, teve sua vaga para a cota de pessoas com deficiência negada pela perícia médica da Ufes
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Uma jovem de 20 anos teve sua vaga para a cota de pessoas com deficiência negada pela perícia médica da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Agora, Júlia Porto Alvarenga luta na Justiça para provar que é autista e tem direito a cursar Ciência da Computação. Ela possui um laudo de Transtorno do espectro autista (TEA) assinado por uma psiquiatra e uma psicóloga.
“Entrei na sala onde a perícia seria realizada e uma moça ficou me mirando com um olhar de julgamento, como se estivesse me tratando com desprezo. Ela me perguntou porque eu achava que tinha autismo. Poxa, não sei porque sou assim, não escolhi isso”, explica Júlia sobre o dia em que foi avaliada pela perícia da Ufes.
Segundo a jovem, no mesmo dia, sua vaga foi negada. Indignada, conta que buscou a Justiça. Por liminar, cursou até junho. Uma nova decisão, entretanto, derrubou sua liminar.
“Conversei com meus professores e sigo estudando. Conto com o apoio dos meus colegas. Eles me dão esperança porque tem dia que acordo extremamente triste com a situação”. Ela explica que também perdeu o benefício de assistência.
Segundo informações da Procuradoria Federal na Ufes, o processo judicial se encontra tramitando na Justiça Federal, em Vitória, e aguarda a perícia judicial determinada pelo juiz.
“No entendimento da Procuradoria, a esfera administrativa se esgotou e não existe previsão de revisão da posição da junta da Ufes”, informou por meio de nota.
Especialista em Direito Civil e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)/Seccional Serra, Ítalo Scaramussa Luz explica que a legislação é vaga sobre a forma como são aferidos os direitos da pessoa com deficiência.
“Quando a lei criou esse direito, relegou a um segundo momento determinar um padrão da forma como isso seria avaliado. Até hoje isso não foi realizado”.
Ele detalha que isso permite que cada faculdade adote um sistema diferente, trazendo insegurança jurídica para pessoas que dependem desse reconhecimento. “A solução é buscar o judiciário. Até o momento não há uma decisão com efeito geral para todo o País. As decisões têm sido conflitantes. Umas são favoráveis, outras não”.
“É como se estivessem negando quem sou”
A Tribuna — Como você se sentiu ao ter seu acesso negado?
Júlia Porto — Foi extremamente frustrante. É como se estivessem negando quem eu sou, todas as dificuldades que passei na minha vida, como o bullying que sofri antes de entrar na faculdade. Mal consigo explicar como me senti.
Como e quando você descobriu que era autista?
Foi em 2024, eu tinha 19 anos. Meu namorado também é autista. Ele procurou um psicólogo e foi diagnosticado. No processo, percebeu que eu tinha sinais e me informou da possibilidade. Depois de vários testes, fui diagnosticada.
Como foi receber o diagnóstico?
Isso explicou muitas coisas na minha vida. Quando você recebe o diagnóstico, passa a se entender melhor: manias, jeitos.
De que forma o autismo impacta sua vida?
Tenho muita dificuldade de interação social. Não consigo entender quando outra pessoa está mal, por exemplo. Sou muito literal. Na minha turma do ensino médio não fiz nenhuma amizade. Isso mudou durante a faculdade, acho que porque tenho muito em comum com eles.
Saiba Mais
Transtorno do Espectro Autista (TEA)
É um transtorno caracterizado pela alteração das funções do neurodesenvolvimento do indivíduo, interferindo na capacidade de comunicação, linguagem, interação social e comportamento.
O TEA é classificado em 3 níveis, dependendo do grau de suporte que a pessoa precisa.
Embora não tenha cura, o diagnóstico precoce permite o desenvolvimento de práticas para estimular a independência, a promoção de qualidade de vida e a acessibilidade para essas crianças.
Nível um de TEA
Segundo especialistas, é difícil de perceber. Muitas vezes, os sinais vêm na forma de dificuldades de socialização, como fazer amigos.
Antigamente, explica a psicóloga Scarlet Guss, os sinais de autismo de grau um eram quase sempre confundidos. A pessoa era considerada tímida, com hábitos estranhos e dificuldade de se comunicar.
Como o Transtorno do Espectro Autista é diagnosticado?
Segundo os especialistas, a avaliação é composta por uma bateria de exames até se chegar a um diagnóstico.
Segundo Scarlet, tem que ser feita por profissionais qualificados, como neurologistas ou psiquiatras, e engloba diversos aspectos, como cognição e linguagem. Entre eles, testes de inteligência e atenção.
Como a Ufes avalia?
A Secretaria de Inclusão Acadêmica e Acessibilidade da Ufes (Siac) informa que, atualmente, a Ufes adota a avaliação pericial de caráter médico, em que os profissionais analisam laudos e documentos apresentados, além de realizar entrevista com o candidato.
Esse modelo, informa, está previsto em normativas anteriores. Entretanto, está sendo revisto, pois a “Universidade já está em processo avançado de implementação da Banca Biopsicossocial, alinhada às orientações do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), com previsão de funcionamento já em 2026”.
Insegurança
Embora a lei reconheça o direito da pessoa diagnosticada com TEA, o advogado Ítalo Scaramussa explica que ela não determinou ainda um padrão de como seria verificado. Isso, por sua vez, permite que cada universidade analise da forma que seu regimento determinar.
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