Crise com Trump vira trunfo para Lula atacar símbolos do bolsonarismo
Traição à pátria é novo foco de ataque à família do ex-presidente e a seus aliados
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Integrantes do Palácio do Planalto veem nas ações recentes de Donald Trump contra o Brasil a possibilidade de Lula (PT) ampliar a entrada em flancos eleitorais antes restritos ao bolsonarismo. Em acréscimo à defesa da soberania nacional e do patriotismo, avalia-se agora ser possível se beneficiar também do figurino antissistema, o de um político que não recuaria mesmo diante da pressão do líder da maior potência mundial.
Apesar do impacto econômico da sobretaxa sobre a exportação brasileira, auxiliares de Lula enxergam na ofensiva do governo Trump uma chance de desidratar o discurso patriótico dos bolsonaristas. A intenção é imprimir em Jair Bolsonaro e seus seguidores a marca de traidores da pátria.
REDES SOCIAIS AJUDAM A VIRAR O JOGO
Lula amargou a pior popularidade de seu terceiro mandato em fevereiro de 2025, quando o Datafolha mostrou 41% de reprovação e apenas 24% de aprovação. Após o Congresso lhe aplicar uma série de derrotas que culminaram na suspensão do decreto de aumento do IOF, no final de junho, Lula começou a obter um respiro após surtir efeito a campanha liderada pelo PT nas redes sociais que o colocava como defensor dos pobres em combate contra um Congresso e um empresariado empenhados em defender ricos e privilégios.
DE “POBRES VS. RICOS” PARA “BRASIL ACIMA DE TUDO”
O alcance desse discurso foi apontado como decisivo na atitude de Lula de recorrer contra a derrubada da alta no IOF ao STF (Supremo Tribunal Federal), que acabou validando a maior parte do decreto governamental. Paralelamente ao "ricos versus pobres" das redes, a investida de Trump contra o país, no caso da sobretaxa de 50%, e contra o ministro do STF Alexandre de Moraes, alvo da restritiva Lei Magnitsky, levou o governo a não só seguir na tática para sair das cordas no Congresso como para entrar de vez no discurso da soberania verde e amarela — cores que, na política, foram monopolizadas pelo bolsonarismo há anos.
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SOBERANIA NACIONAL VIRA PEÇA VIRAL
Na ofensiva publicitária digital montada não só pelo PT, mas pelo governo, o tema ganhou protagonismo — a peça "soberania nacional explicada por bichinhos", por exemplo, teve mais de 5 milhões de visualizações no Instagram e ganhou uma continuação.
Do lado da oposição, a tentativa é classificar Lula e o ministro do STF como os responsáveis pelo tarifaço de Trump. E seguir tentando pressionar o Congresso e o centrão, que por ora resistem, a colocar em marcha pautas como a anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro, limitações ao poder do Supremo e o impeachment de Moraes.
Bolsonaristas marcaram para este domingo (3) protestos pelo país com o mote "fora Lula e fora Moraes". Um dos congressistas que gravaram vídeo sobre o assunto foi o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que normalmente supera a casa dos milhões nas visualizações de suas postagens. O vídeo com a chamada para a manifestação tinha mais de 8 milhões de visualizações no Instagram até a sexta-feira (1º).
DEFESA DO PIX É USADA COMO CONTRA-ATAQUE
Além da questão da soberania, o governo viu também como bastante positiva a oportunidade de sair em defesa pública do popular Pix — mecanismo que foi protagonista de um abalo na imagem presidencial no início do ano, quando bolsonaristas usaram normativa da Receita Federal para dizer que o governo poderia tributar as transações.
O governo Trump abriu investigação comercial que inclui o Pix como uma possível prática desleal do Brasil em relação a serviços de pagamentos eletrônicos. A peça "Por Que o Pix Incomoda" tem mais de 4 milhões de visualizações no Instagram.
Um integrante do primeiro escalão do governo Lula afirma que daqui para frente a ideia é seguir reforçando as campanhas sob o lema "Brasil para os brasileiros", com a adoção de peças publicitárias direcionadas a diferentes públicos. Há uma preocupação, porém, de que o discurso da justiça tributária, que possibilitou a Lula ganhar um fôlego no Congresso, submerja em meio à disputa com Trump.
ISENÇÃO NO IR PODE SER TRUNFO JUNTO À CLASSE MÉDIA
Com o retorno do Congresso aos trabalhos, na próxima semana, o governo pretende trazer de volta o debate sobre isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 7.350 mensais, tendo como fonte de recursos a taxação dos mais ricos.
A intenção é mostrar que a promessa de justiça tributária não tem apenas os desfavorecidos como alvo. A medida é vista como crucial para as intenções de Lula de obter um quarto mandato pois, na visão de integrantes do Planalto, tem potencial para reduzir a rejeição a Lula na classe média.
Comissão especial criada pela Câmara aprovou em julho projeto, que agora está pronto para votação em plenário. A expectativa no Planalto é que, caso a estratégia seja bem-sucedida e dê fôlego eleitoral a Lula, isso possibilite a atração de aliados de centro para 2026 ou que, ao menos, evite a adesão formal dessas legendas à campanha bolsonarista.
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