Cidadania italiana: como está o processo e o que mudou?
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A busca pela cidadania italiana é um tema de grande interesse no Brasil, onde vivem cerca de 32 milhões de ítalo-descendentes. Recentemente, mudanças nas normas vigentes têm gerado dúvidas sobre o processo, especialmente após a Lei 23/2025, aprovada pelo parlamento italiano em maio e sancionada pela presidência do país, que estabeleceu diversas restrições para o reconhecimento da cidadania, um processo que era bastante amplo até então.
Antes, descendentes de italianos de qualquer geração sendo reconhecidos como italianos ao comprovarem a linha sucessória em processos administrativos ou judiciais. A partir de 27 de março, o cenário mudou, quando o governo italiano publicou um decreto alterando as normas. Esse decreto foi modificado pelo parlamento e transformado em lei em maio.
A data de 27 de março de 2025, no entanto, segue como um marco, dividindo as normas antes e depois da data.
- Pedidos feitos até 27 de março de 2025 continuam sem restrição geracional.
- Pedidos feitos a partir de 28 de março de 2025 continuam sendo submetidos às restrições da nova norma vigente, aprovada pelo Parlamento.
Uma nova decisão da Corte Constitucional italiana sobre o entendimento em relação à ao direito ius sanguinis (de sangue) para reconhecimento da cidadania também ascendeu a esperança de descendentes.
Entenda o cenário atual e as regras vigentes:
Quais são as regras atuais para solicitar a cidadania italiana?
Para aqueles que ainda não solicitaram a cidadania italiana ou o fizeram a partir de 28 de março, as regras estabelecem que não bastará ter um dos pais ou avós italiano. Será preciso também que o ascendente não tenha outra nacionalidade, o que, na prática, exclui os ítalo-brasileiros de passarem sua cidadania. A nova lei, resultado de um decreto governamental de março e aprovada em maio, tem um impacto significativo em descendentes italianos ao redor do mundo, especialmente no Brasil, onde estima-se que 32 milhões de brasileiros tenham ascendência italiana.
Existem alternativas para quem tem dupla nacionalidade?
Sim, uma alternativa para quem tem dupla nacionalidade e deseja passar a cidadania aos filhos (válida apenas para os genitores, não para os avós) é residir legalmente por, pelo menos, dois anos contínuos na Itália, após adquirir a cidadania e antes do nascimento do filho. No entanto, essa condição inviabiliza a cidadania para aqueles que não moraram na Itália antes de ter seus filhos.
Como fica a cidadania para menores de idade?
Para menores de idade, o processo de reconhecimento da cidadania é geralmente mais simples. Caso os pais sejam italianos nascidos fora da Itália, devem declarar a vontade de adquirir a cidadania do filho dentro de um ano de seu nascimento ou adoção. Se essa declaração não for feita, o menor que residir por dois anos contínuos no país europeu também pode solicitar a cidadania.
Uma regra de transição foi estabelecida para os filhos de italianos que eram menores de idade na data em que o decreto foi convertido em lei (23 de junho de 2025): a declaração da vontade de aquisição da cidadania poderá ser feita até 31 de maio de 2026 para os descendentes com até 18 anos de idade, desde que um dos pais já seja italiano ou tenha dado entrada no pedido até 27 de março de 2025.
A nova lei pode ser questionada?
Sim, diversos especialistas que estudam o direito à cidadania alegam que a nova lei pode ser questionada por uma suposta incoerência com a Constituição da Itália. O Tribunal de Turim, inclusive, já pediu um posicionamento da Corte Constitucional nesse sentido. A expectativa é de que a suprema corte se posicione até o começo do próximo ano.
A Corte Constitucional é o mais alto tribunal da Itália em matéria de direito constitucional. Sua principal função é julgar a legitimidade das leis e suas aplicações, verificando se estão de acordo com o que diz a Constituição italiana.
A Corte Constitucional já se manifestou?
A Corte não se manifestou a respeito da nova lei. Porém, na quinta-feira, 31, proferiu uma sentença a respeito da cidadania italiana por descendência, mas a decisão se refere apenas à lei anterior, que estava vigente antes do decreto de março.
Na sentença, a Corte diz que não há limite geracional para reconhecimento da cidadania italiana por descendência. Essa decisão foi dada em resposta a questionamentos apresentados pelos Tribunais de Milão, Florença, Roma e Bolonha.
Esses tribunais provinciais haviam solicitado a definição de um limite geracional, argumentando que a ausência de restrições diluía a conexão real entre o cidadão e o Estado, concedendo cidadania a milhões de pessoas sem ligação efetiva com a Itália. Contudo, a suprema corte considerou essas alegações improcedentes, afirmando que impor tais limites seria uma competência do Poder Legislativo (o Parlamento), e não do Judiciário.
Qual o impacto dessa sentença? Quem é afetado?
O impacto da decisão se dá para os processos protocolados antes de 27 de março de 2025. Há meses, processos nessas situações estavam parados nos Tribunais de Milão, Florença, Roma e Bolonha. Os juízes aguardavam essa definição.
Agora, essas ações protocoladas por descendentes de italianos que pedem o reconhecimento da cidadania voltarão a ser julgadas e devem manter o padrão anterior de reconhecer a cidadania a todos que provem ascendência italiana.
Por que a decisão não afeta processos posteriores a 27 de março?
A decisão da Corte Constitucional não tem impacto nas normas vigentes, ou seja, não altera a nova lei que restringiu o reconhecimento da cidadania a filhos e netos de italianos porque sua decisão se refere apenas à legislação que estava em vigor no momento em que sua posição foi solicitada.
A Suprema Corte não avaliou a legitimidade da nova lei porque entendeu que não havia condições para que ela própria questionasse a constitucionalidade da mesma naquele momento. Além disso, a Corte recusou-se a “substituir o legislador” na definição dos critérios para o reconhecimento da cidadania, reforçando que impor tais limites é uma competência do Poder Legislativo (o Parlamento) e não do Judiciário.
O posicionamento da Corte dá indícios para o futuro?
A sentença pode indicar como será a resposta ao questionamento de Turim, especialmente porque a sentença menciona temas como a ausência de limite geracional e o direito adquirido à cidadania.
Além disso, a Corte já declarou inconstitucionais normas de cidadania discriminatórias ou irrazoáveis em outros contextos, e observou que a Constituição italiana não define o conceito de “povo” de forma rígida, associando-o principalmente à participação política, direitos, deveres e pertença a uma comunidade aberta ao pluralismo e à proteção de minorias.
Contudo, não é possível adiantar que a Corte considerará o decreto inconstitucional, pois ela se recusou a “substituir o legislador” na definição de critérios para o reconhecimento da cidadania.
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