Jovens economizam por 2 anos e levam golpe de R$ 540 mil em viagem a Roma
Grupo iria viajar para participar do Jubileu
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Mais do que uma viagem internacional, o que motivou cerca de 30 jovens das paróquias Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Carmo, em Taguatinga Sul (DF), foi o desejo de viver uma profunda experiência religiosa durante o Jubileu da Igreja Católica, em Roma.
É assim que descreve Matheus Machado, 29, engenheiro e coordenador do grupo, que também atua como porta-voz.
Após dois anos de economia e trabalho coletivo, o sonho desmoronou: a empresa contratada, Kairós Viagens e Peregrinações, com sede em Franca (SP), cancelou a peregrinação, deixando um prejuízo de aproximadamente R$ 540 mil.
"Essa peregrinação não era só sobre turismo. O ponto principal era exatamente a vivência plena do Jubileu e da nossa fé", afirma Machado.
VIAGEM CANCELADA E SEM PLANO DE RESSARCIMENTO CLARO
A decisão de participar do Jubileu foi tomada em 2023, logo após o anúncio feito pelo papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa.
"Tenho 29 anos. Daqui a 25 anos, quando for o próximo Jubileu, não sei se estarei vivo, se terei filhos, se estarei casado. Nunca mais vou ser jovem com 29 anos podendo viver isso", disse Matheus Machado, 29, engenheiro e coordenador do grupo de jovens católicos.
O roteiro previa três dias seguidos em Madri, com visitas a catedrais e pontos históricos, seguido por paradas em Roma, Assis e Cássia. O momento mais aguardado seria o encontro com o papa e a vigília com jovens católicos do mundo inteiro.
"Para nós, era a oportunidade de exercer publicamente a nossa fé, de levar ao mundo a mensagem de que a Igreja vive, que os jovens católicos vivem", explica Matheus.
Segundo ele, o grupo economizou durante cerca de dois anos e só contratou a agência entre março e abril de 2025, já com parte do valor em mãos. A intenção era evitar oscilações cambiais e garantir segurança na emissão das passagens.
"Infelizmente, mesmo tendo pago cerca de R$ 540 mil, não recebemos sequer os bilhetes aéreos. Não havia passagens, nem reservas de hotel. Apenas um comunicado frio, informando que a empresa não teria condições de nos levar. Ficamos muito tristes, muito decepcionados. Não era apenas um sonho, era algo muito maior: uma resposta ao chamado que Deus fez para nós."
O QUE DIZEM A EMPRESA E ESPECIALISTAS
Com o site da empresa fora do ar há cerca de uma semana, o UOL procurou a Kairós Viagens e Peregrinações. Em nota, a empresa afirmou enfrentar dificuldades financeiras desde a pandemia de covid-19, que teria deixado dívidas ainda não sanadas.
A nota também cita a "situação belicosa global", especialmente os conflitos em Israel, como fator adicional que teria contribuído para cancelamentos e acúmulo de débitos. Segundo a empresa, o lucro recente estava sendo destinado exclusivamente ao pagamento de dívidas e, "por uma infeliz coincidência", os valores referentes à viagem do Jubileu teriam sido bloqueados por um credor.
A advogada Luciana Rodrigues Faria, especialista em direito do consumidor, consultada pelo UOL, afirma que o caso configura uma clara relação de consumo, e que os jovens têm direito à reparação.
"O consumidor pode propor ações de ressarcimento, indenização por danos materiais e morais, ou obrigar o fornecedor a cumprir o contrato. A responsabilidade da empresa é objetiva: basta comprovar o dano e o nexo com a falha da agência", explica.
BAQUE, REAÇÃO E SOLIDARIEDADE
Segundo Machado, o primeiro dia após o cancelamento foi de abatimento geral. No segundo, veio a decisão de reagir: "O tema do Jubileu é Peregrinos da Esperança, então, se a esperança não decepciona, a gente precisa mantê-la até o último instante."
Desde então, o grupo vem se mobilizando para tentar realizar a viagem por conta própria. Criaram uma vaquinha online, organizaram uma rifa com prêmios doados por apoiadores, vendem bolos de pote e fecharam parcerias com empresas locais, que destinam parte dos lucros à causa.
"Estamos buscando todas as formas possíveis. Nosso foco inicial são as passagens. A hospedagem, graças à ajuda da Igreja em Roma, já conseguimos resolver. Agora, precisamos chegar até lá", afirma Matheus.
VEJA NOTA DA EMPRESA NA ÍNTEGRA
"É de conhecimento global, e acreditamos que, pela natureza do seu negócio, compreendem ainda mais, a pandemia da Covid-19 enterrou o turismo, quebrando diversas empresas do ramo e fazendo com que as sobreviventes saíssem com dívidas leoninas para lidar com as promessas não entregues. A Kairós foi uma delas.
Ademais, a situação belicosa global igualmente prejudicou nossos negócios, com diversas viagens sendo canceladas por receio da escalada dos conflitos em Israel. Dívidas estas que, inclusive, foram arcadas do próprio bolso dos sócios, e não apenas da empresa.
Em razão dessas dívidas impagáveis, a Kairós seguia suas atividades dedicando o lucro exclusivamente para arcar com seus compromissos, porém, por uma infeliz coincidência, um de nossos credores bloqueou os nossos créditos referentes à viagem do Jubileu de 2025. Infelizmente, compreendemos demasiadamente a dor desses jovens, o que aumenta ainda mais a nossa dor pela situação e o sentimento de culpa. Não somos apenas uma empresa, esse trabalho tem um propósito maior, e compreendemos a força espiritual do Jubileu, bem como sua periodicidade.
Por isso, embora não possamos reintegrar o prejuízo neste momento, uma vez que os valores e os lucros foram completamente devorados por credores, afirmamos que estamos buscando todo o suporte e apoio para que todos os lesados sejam compensados. E o que fazemos na prática? Ainda não está muito claro, mas diante de toda a situação e a pressão da mídia, não conseguimos elaborar um plano com consciência e clareza. Estudamos a possibilidade de encaminhar os grupos para agências de terceiros e assumirmos mais uma dívida, mas diante da divulgação da quebra e acusações de golpe, o nosso trabalho foi muito comprometido; talvez algum dia possamos reestruturar nossas viagens com o objetivo de satisfazer os prejudicados.
Como católicos, aceitamos nossa cruz e não vamos fugir de nossas responsabilidades. Mas para isso, precisamos de paciência e, sobretudo, apoio. Que a solidariedade de vocês para com os prejudicados se estenda para nós, pois não somos covardes e nem criminosos, porém, somos uma empresa pequena, que tem unicamente o trabalho para honrar todos os compromissos.
Esperamos ter esclarecido e requeremos, por todo amor de Deus, que, se possível, nos ajudar a passar esta mensagem a quem interessar e ajudar a todos na medida do possível.
Por fim, esclarecemos que não nos opomos a críticas, pois todos estão em seus direitos. Porém, cumpre ressaltar que a liberdade de expressão possui limites constitucionais claros, e, diante da já frágil situação da empresa, qualquer tipo de injúria, calúnia ou difamação serão alvos das providências judiciais cabíveis".
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