Drauzio Varela no ES: “Não cabe julgamentos no enfrentamento ao vício das drogas”
Drauzio Varella, médico e escritor, participou da abertura da Semana Estadual de Políticas sobre Drogas
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Pela quarta vez o Estado celebra a Semana Estadual de Políticas sobre Drogas (SEPD), que teve início na quarta-feira (25) e vai até sexta-feira (27), e mostra que há, sim, uma alternativa possível e eficaz para enfrentar o desafio das drogas.
Na abertura do evento, na quarta-feira, no Palácio Anchieta, o médico, cientista e escritor Drauzio Varella falou sobre o tema “Cuidar, não punir: a importância do acolhimento e da empatia na política sobre drogas”. “Não cabe julgamentos no enfrentamento ao vício”.
Subsecretário de Políticas sobre Drogas, Carlos Lopes afirma que a prevenção, tratamento e reinserção social de forma integrada e humanizada apontam para a consolidação do Estado como uma política pública que cuida de pessoas.
“O Programa Rede Abraço ultrapassa os preconceitos, as simplificações e as respostas punitivistas. Como ensina o médico e escritor Gabor Maté, o vício não é um problema em si, mas um sintoma de uma dor mais profunda. A pergunta não deveria ser ‘por que o vício?’, mas sim ‘por que a dor?’. O que dói em nós a ponto de precisarmos recorrer ao uso de uma substância?”
O governador Renato Casagrande, que participou da abertura do evento, lembrou que o Programa Rede Abraço foi criado em 2013. “Meu sentimento, como pai e cidadão, era de que a família precisava ter uma porta onde bater”.
“A dependência alcança toda a família. E muita gente não sabe nem o que fazer. Por isso, o primeiro passo é acolher. Quando você tem uma rede que promove acolhimento — CAPs, CRAS, entidades terapêuticas, centros municipais — esse acolhimento se transforma em proteção”.

Drauzio Varella, médico e escritor: “A pessoa começa achando que está no controle”
A Tribuna - Quando uma pessoa usuária de drogas está em situação crítica, qual deve ser o caminho?
Drauzio Varella - Temos que usar para esse tipo de enfermidade o mesmo raciocínio que usamos para as doenças que nos acometem. É a única forma.
Se você diz: “Bom, mas não adianta investir dinheiro em um programa desses. Sai caro e no fim o cara vai voltar a usar drogas” Olha, pense um pouco.
Se você pega essa pessoa, leva, acolhe, trata. Em três meses ele ganha, por exemplo, dez quilos. Aí fica mais, sei lá, três meses internado. Vamos imaginar que ele ainda fique uns seis, sete ou oito meses limpo, e depois recaia.
Agora se eu pego uma doente com câncer de mama avançado, em metástase, e consiga seis, sete meses de remissão, o que a gente diz? É um tratamento maravilhoso. Valeu a pena. Viveu seis, sete meses a mais muito bem.
E por que eu não uso esse mesmo raciocínio para um usuário de droga? Ele está com uma doença que tem as mesmas características: é uma doença crônica, recidivante. Faz parte da doença.
Por que o senhor acredita que a educação é a chave para reduzir o consumo de drogas?
Na minha geração, 60% dos adultos fumavam. Nós fomos, primeiro, convencidos de que éramos vítimas de um crime cometido pela indústria.
A indústria do tabaco cometeu o maior crime da história do capitalismo desde a Primeira Guerra Mundial. Eles dominavam a publicidade e não deixavam nenhuma informação sobre os males do cigarro chegar à sociedade.
Foi graças a medidas como a proibição da propaganda nos meios de comunicação que pudemos mostrar à sociedade o que o cigarro realmente era. Um vício chinfrim, que dá mau hálito e cheiro ruim na roupa e no cabelo.
O Brasil baixou de 60% para menos de 10% o número de fumantes. E o que fez isso? Educação. Não foram campanhas do governo. Foi a sociedade que mudou.
E com o cigarro eletrônico? A situação é semelhante?
Sim. Hoje está acontecendo a mesma coisa com o cigarro eletrônico. Meninos e meninas começam a fumar cigarro eletrônico — uma geração que não ia fumar cigarro comum. E eles continuam enganando essa geração. Muitos começam sem saber sequer que contém nicotina.
O cigarro eletrônico chega a ter dez vezes mais nicotina do que o cigarro comum.
Já conseguimos reduzimos o consumo de cigarro para menos de 10%. Então, a educação funciona. Temos que fazer a mesma coisa com o cigarro eletrônico.
Um governo que investe em acolhimento, e não repressão, pode mudar a realidade?
Pode. Quando você olha para uma pessoa que usa drogas, você pensa: é fraca, se entregou. Mas se esquece que isso é uma dependência. A pessoa começa achando que está no controle. Quando vê, já está quimicamente dependente. É um mecanismo traiçoeiro.
Temos que educar nossas crianças desde pequenininhas, nas escolas, em casa e na família. O tempo todo a sociedade tem que se mobilizar, porque vai ser a única forma.
Quando se descobre que alguém da família está usando drogas, o que deve fazer?
Tem que partir do princípio que essa pessoa está doente. Se seu filho estivesse com uma doença grave, escondendo isso de você, o que faria? Iria atrás dele e perguntaria: “O que está acontecendo? Eu sei que você não está legal.” Tentar estabelecer diálogo.
Pais que batem afastam, só agravam a situação. Tem que conversar e procurar ajuda. Não só mandar o filho para um programa, mas entender que a família inteira está doente e precisa de suporte.
O que dizer para as crianças e jovens sobre drogas, já que não adianta mentir ou exagerar os riscos?
Tem que explicar que é uma armadilha. A pessoa começa usando, dá prazer, claro que dá prazer. Mas depois ela acaba prisioneira. A droga acaba com a liberdade da pessoa. Ela vai dominar o comportamento e fazê-la perder o bem maior que a juventude pode ter, que é a liberdade.
Crianças são mais vulneráveis à dependência?
Sempre. A OMS considera o cigarro uma dependência pediátrica. Muitos meninos começam com 12, 13 anos. Nos EUA, por exemplo, é proibido vender cigarro para menores de 21 anos.
Eles acabam conseguindo? Talvez. Mas a lei estabelece um limite e pune quem vende. Cada sociedade precisa se organizar de uma forma.
Promover debates e eventos sobre drogas tem impacto?
Fundamental. A sociedade precisa entender como funciona o mercado, por que é difícil enfrentar. É muita gente querendo comprar droga, e traficantes que vendem. Sem informação, ninguém entende. A sociedade precisa saber como agir para evitar que nossos filhos entrem nesse caminho.
Qual é o papel do moralismo nesse debate?
Não dá para agir com moralismo. Não sabemos como nosso cérebro reagiria se fossemos nós no lugar de um deles, se experimentássemos.
Eu nunca usei cocaína porque acho que iria gostar. E se gostasse muito? Preferi não arriscar.
Agora, cigarro… comecei aos 17 anos e fumei por 19 anos. E largar foi dificílimo. Crise de abstinência de cigarro é terrível.
Perfil
Drauzio Varella
Drauzio Varella é um especialista reconhecido nacionalmente na área da saúde. É médico oncologista, cientista e escritor brasileiro.
Apresentou por anos o Espaço Saúde na Rádio Bandeirantes, de São Paulo, programa diário em que descrevia doenças e explicava como preveni-las.
Comandou um quadro no Fantástico, da TV Globo. As reportagens, que continuam até os dias atuais, falam sobre o corpo humano, primeiros socorros, gravidez, entre outros assuntos.
Em passagens pelo Canal Universitário e TV Senado, Drauzio também entrevistou especialistas relevantes na área da saúde.
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