O retorno do fantasma da unificação das eleições
Concentração de poder nas cúpulas partidárias ameaça a democracia interna e enfraquece a política local no Brasil
Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a proposta de emenda à Constituição que prevê a unificação das eleições gerais e municipais desperta receios constitucionais e institucionais. Trata-se da ressurreição de um projeto que encarna a lógica da concentração de poder na direção nacional dos partidos políticos, em detrimento da organicidade democrática e federativa do nosso sistema representativo.
Ao fundir, num mesmo calendário, eleições para vereadores, prefeitos, deputados federais e estaduais, senadores, governadores e presidente da República, sufoca-se a pluralidade e periodicidade dos ciclos eleitorais. A eleição local, com suas pautas próprias ditada por seus problemas locais, é tragada pela tempestade do debate nacional. O resultado? Uma democracia desfocada, em que o cidadão do interior passa a votar mais por projeção de Brasília do que por convicções do seu entorno imediato.
A consequência mais visível não é só o achatamento da política municipal, mas a potencial verticalização inconstitucional das coligações. A lógica da imposição nacional de alianças ganhará musculatura. Os estados e municípios passam a integrar um tabuleiro de opções políticas, jogado, contudo, com força do monopólio da direção nacional. O efeito imediato é que as diretrizes partidárias, instrumento de fidelidade partidária, passam a ser desenhadas com exclusividade por executivas nacionais: regras sobre coligações; e deliberações outras sobre a práxis partidária nas eleições.O cenário se agrava pela manutenção no nosso sistema das comissões provisórias, que substituem diretórios regulares e perpetuam a instabilidade decisória nos partidos infra postos à direção nacional. Em lugar da permanência, a provisoriedade; em vez da democracia interna, o arbítrio das cúpulas na mudança incessante das comissões provisórias.
Diante desse cenário ressurge o problema do controle judicial dos atos intrapartidários. A compreensão da jurisprudência é que tais atos são, em regra, insindicáveis pelo Judiciário, salvaguardando-se apenas o exame de legalidade formal. Desse modo, malgrado a potência de conflitos diversos intrapartidários, o ordenamento jurídico eleitoral não oferece via eleita adequada a controle da juridicidade do mérito do ato intrapartidário, aumentando ainda mais a potência de força dos órgãos partidários sobrepostos.
Adicione-se a isso no momento eleitoral propriamente dito um sistema de financiamento predominantemente público, onde a concentração de recursos nos diretórios nacionais desidrata a atuação dos órgãos estaduais e municipais. Sem critérios isonômicos para a partilha do fundo eleitoral, a política local é asfixiada, e com ela, morre também a renovação democrática. O resultado prático da unificação é a partiocracia institucionalizada: poucos decidem por muitos. A soberania do eleitor é substituída pela soberania das estruturas partidárias, que ganham poder para selecionar, enquadrar, e ainda controlar o seu tão dependente financiamento público.
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