Alma poluída
Coluna foi publicada no domingo (23)
Leitores do Jornal A Tribuna
Dia desses tive a oportunidade de ler um emocionante relato sobre o sofrimento das crianças norte-americanas que vivem na região de Oakland, vítimas inocentes da poluição atmosférica que por lá reina.
A cada ano são dezenas de milhares de vítimas dando entrada nos serviços de emergência dos hospitais locais, por conta de problemas pulmonares. Muitas delas não sairão de lá vivas – em um único ano, 157 crianças com menos de 15 anos de idade não resistiram. Constatou-se que existem locais naquela região nos quais o índice de internações chega a inacreditáveis 126,4 por grupo de 10 mil crianças.
O problema é mesmo sério. Pesquisadores fizeram um levantamento na Lafayette Elementary School, no distrito escolar de Oakland, e constataram, chocados, que 23% dos estudantes apresentaram problemas pulmonares graves.
Esse drama não atinge apenas as crianças – carrega, consigo, as famílias destas. Que o diga a mãe de Jonathan, uma infeliz criança que passa praticamente cinco dias de cada mês sob tratamento, longe das ruas.
Transcrevo o seu desabafo: “É sempre aquela batalha de trabalhar e estar ao lado do meu filho. Claro que ele é mais importante, mas nós temos que pagar nossas contas”.
Por falar em contas, e daquelas salgadas, a dos danos materiais, vai parar diretamente no bolso da população como um todo. Assim, gasta-se anualmente uns US$ 56 bilhões (cerca de R$ 304 bilhões na cotação atual) só no tratamento dessas doenças.
Ainda sobre contas, em 2001, a revista “Science” publicou um devastador estudo sobre índices de poluição, internações e mortes em Nova Iorque, Santiago, São Paulo e na Cidade do México.
Numa projeção para 2020, concluiu-se que se essas cidades baixassem em apenas 10% suas emissões de gases poluentes haveria 800 mil crises de asma a menos (só em São Paulo), e seria possível evitar 64 mil mortes e 65 mil casos de bronquite crônica. Seriam evitadas ainda 60 mil internações por causas respiratórias, 300 mil consultas médicas infantis e mais de 700 mil atendimentos de emergência por causas respiratórias.
Em termos financeiros, os valores economizados seriam de US$ 21 bilhões (cerca de R$ 114 bilhões, na cotação atual), em custos médicos, e US$ 165 bilhões (aproximadamente R$ 896 bilhões, também na cotação atual), em custos totais decorrentes das mortes prematuras e perda de produtividade por doenças.
Pois é. Fiquei a recordar uma tese de doutorado que abordou os casos de asma e doenças respiratórias decorrentes da poluição de Vitória. Pus-me a meditar sobre um misterioso “pó preto” que nos humilha e envergonha – e que ainda não se sabe de onde vem, apesar de tantos anos de investigações.
As crianças de Oakland e as daqui, ao contrário do que se poderia supor, não são vítimas da industrialização. São vítimas, isto sim, da insensibilidade de alguns poucos que se recusam, terminantemente, a compatibilizar suas indústrias com o notável avanço tecnológico já conquistado pela humanidade.
A estes, dedico, em nome de cada criança que arfa e sofre pelos hospitais de Oakland, de Vitória e de tantos outros lugares, as palavras de Pascal: “De que vale ao homem conquistar o mundo, se perde a alma?”
SUGERIMOS PARA VOCÊ:
Tribuna Livre,por Leitores do Jornal A Tribuna