Um adolescente é preso a cada oito horas no ES
Nos dois primeiros meses deste ano, 164 menores já foram internados. Entre os principais crimes está o tráfico de drogas
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Todos os dias, mais de três adolescentes são levados às delegacias do Estado. O número é equivalente a uma abordagem a cada oito horas.
Mesmo assim, estima-se que, desse total, dois são internados e encaminhados ao Instituto de Atendimento Socioeducativo do Estado (Iases), todos os dias.
Nos dois primeiros meses deste ano, 164 adolescentes foram internados no Iases, mas o número de conduzidos pode ser ainda maior, já que muitos assinam termos circunstanciados e saem horas após as abordagens. Em alguns casos, segundo a Polícia Militar, menores saem livres da delegacia antes mesmos dos militares.
Entre os 927 menores de 18 anos, detidos somente no ano passado, há adolescentes envolvidos nos mais diferentes tipos de crimes. É o que explica o delegado titular da Delegacia de Crimes Contra Vida de Vitória, Marcelo Cavalcanti.
“Frequentemente, estamos atendendo casos de adolescentes que matam ou são vítimas de homicídios. Percebemos que esses menores têm algo em comum, a maioria cresce em comunidades ocupadas pelo tráfico de drogas e tem o crime como uma espécie de herança”, explicou o delegado.
Um dos exemplos comentados pelo delegado foi a prisão de um adolescente de 17 anos, suspeito de matar com um tiro na cabeça o jovem Pedro Crizanto, de 20 anos, durante o ensaio das escolas de samba do Carnaval de Vitória. A vítima era filho da vereadora de Vila Velha, Patrícia Crizanto.
“No caso da prisão do acusado de matar o Pedro, também era um adolescente que confessou o homicídio e já era acusado por outros crimes anteriormente”, contou o delegado.
Ainda de acordo com a autoridade, os adolescentes são atraídos por traficantes por saberem que as chances de ficarem de fato presos são mínimas.
“Percebemos que eles estão cada vez mais frios e agressivos. Já cheguei a ser ameaçado de morte por um deles, que disse que quando saísse da cadeia me mataria, e ele de fato saiu. Infelizmente, eles crescem em um lugar onde a polícia é vista como inimiga”, comentou o delegado.
Segundo o painel do Iases, dos 927 adolescentes presos em 2022, pelo menos 32,9% estão presos por tráfico de drogas; 26,9% estão detidos por crimes contra o patrimônio, como furtos e roubos; 7,5% pela lei do desarmamento; e o restante por outros crimes.
“Falta garantia de direitos básicos”
Segundo a coordenadora de Infância e Juventude, Adriana Peres Marques dos Santos, a solução para os problemas da reincidência de adolescentes no mundo do crime vai muito além das internações no Centro Integrado de Atendimento Socioeducativo (Ciase).
“Temos casos de adolescentes que vão para o Centro Integrado Socioeducativo precisando urgentemente de atendimento dentário. Isso porque eles têm dificuldades de acessar dentistas em suas comunidades. Falta a garantia de direitos básicos para esses menores”, explicou a coordenadora.
É fato que muitos adolescentes voltam a praticar crimes, mesmo depois de presos, e, às vezes, retornam cada vez mais agressivos, segundo a Polícia Civil.
“A gente tem muitos casos de adolescentes que, de fato, não voltam para o crime. No entanto, existem adolescentes que voltam a cometer outros atos infracionais. A questão é que quando vamos olhar os dados vemos que os menores são na maioria negros e moradores de regiões periféricas”, disse a coordenadora.
Adriana Peres Marques dos Santos ainda ressaltou que, entre os 164 adolescentes apreendidos neste ano, 90% são pretos e pardos. A lei considera que adolescentes têm entre 12 e 18 anos completos.
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Violações
Para a coordenadora de Infância e Juventude, é preciso avaliar todo o cenário em que esses adolescentes estão inseridos.
“Muitas das vezes a gente percebe que essas violações acontecem na própria gestação, quando a mãe não tem acesso a uma série de direitos. A criança está naquela primeira fase, que é a primeira infância, e já começa com os direitos negados”, destaca a coordenadora.
Do total de presos neste ano há também a informação de que mais da metade, sendo 57,2% estão no ensino fundamental e 34,4% possuem 17 anos.
Há também informações de saídas, enquanto no ano passado foram registradas 927 entradas. O mesmo ano registrou 708 liberações de adolescentes, sendo 96,05% do sexo masculino.
Mais de 2 mil levados à delegacia
Com a sensação de impunidade, muitos menores voltam a cometer os mesmos crimes e acabam sendo presos novamente, num ciclo vicioso. No vai e vem da criminalidade, foram levados à delegacia, de janeiro a julho do ano passado, 2.277 adolescentes. Mas destes, somente 528 deram entrada no Instituto de Atendimento Socioeducativo do Estado (Iases).
O crime mais praticado por eles está enquadrado na lei antidrogas. Em seguida, os crimes contra o patrimônio, e em terceiro contra a pessoa, sendo considerados homicídios e tentativas de homicídios.
Entre os casos que mais chamam a atenção, está um adolescente, de 16 anos, que acumula 24 passagens pela polícia. Já o irmão dele, de 15 anos, foi levado à delegacia 18 vezes. Os dois que são de Colatina já cometeram roubo, furto, ameaça e tráfico de drogas.
Outro jovem, de 18 anos, conhecido por fazer parte do tráfico de drogas de Divino Espírito Santo, em Vila Velha, já passou pelo sistema mais de 20 vezes. Agora, já como maior de idade, o jovem acumula crimes como homicídios.
Maioria tem só ensino fundamental
Estatísticas
Entre janeiro do ano passado e o último dia 28 de fevereiro de 2023, 1.091 adolescentes foram levados ao Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito (Iases).
Nos dois primeiros meses deste ano, 164 foram internados no Iases.
Dos 927 adolescentes presos no ano passado, 57% têm apenas o ensino fundamental e mais de 80% são negros.
Também do total de 927 presos, 57,6% têm só o ensino fundamental e idades variadas entre 15 e 17 anos.
Foram apreendidos, de janeiro a julho do ano passado, 2.277 adolescentes. Destes, 528 deram entrada no Iases.
Tipos de crimes
Tráfico de drogas: 27,2%
Crimes contra patrimônio: 22,4%
Crimes contra a pessoa: 17%
Crimes contra a administração pública: 13,8%
Posse de arma: 8,6%
Tentativa de homicídio: 4,1%
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