Médico-paciente: obrigação contratual ou de consumo?
O que podemos extrair dessa assertiva é que todo profissional da medicina deve exercê-la com devoção e dignidade
Leitores do Jornal A Tribuna
É comum ouvirmos que o exercício da medicina é um sacerdócio. É e sempre será, porém isso não implica em afirmar que tal atividade deva ser gratuita.
O que podemos extrair dessa assertiva é que todo profissional da medicina deve exercê-la com devoção e dignidade assim como toda e qualquer profissão.
Se remontarmos a historicidade talvez sim, possamos encontrar o fundamento da expressão sacerdócio com origem nas Santas Casas de Misericórdia, que nos anos de 1.500 a saúde era tratada como caridade. Daí, a existência da Santa Casa dos Santos que se destinava a tratar o doente sem qualquer cobrança mesmo porque ele era considerado indigente. A atividade médica somente passou a ser cobrada a partir do ano de 1.933 com a Lei Elói Chaves.
Aqui, neste contexto, não se pretende rebuscar os primórdios da medicina. Pretende-se sim, analisar se a atividade é contratual ou relação de consumo, ou mais, uma relação especial. Não se pretende tratar a relação médico paciente apenas no cenário dos serviços médicos hospitalares e sim também no exercício global da prática médica.
Pois bem, traçadas essas premissas é imperativo afirmar que a obrigação do médico não é de curar, mas de cuidar e esta é a principal obrigação que o médico está sujeito, sob pena de curvar-se a responsabilidade ético profissional, civil ou até mesmo penal.
Não obstante o Código de Defesa do Consumidor regular a relação médico-paciente como quer os tribunais, não nos parece ser a melhor interpretação, pois apesar de decisões reiteradas e pacificadas, o caminho pelos tribunais trilhados, a nosso ver, não é o da melhor interpretação.
A relação médico paciente é de esperança, angústia e outros aspectos que precisam e devem ser considerados, o que não pode ser quantificado e valorado pelo Código de Defesa do Consumidor. A atividade da medicina considerada como uma relação de consumo é por demais preocupante e agressiva à classe médica e demais profissionais de saúde, bem como a própria dignidade da pessoa humana.
Seja ou não atividade médica contratual ou extracontratual oriunda de uma relação médico paciente, o que irá definir a responsabilidade do profissional não será o resultado adverso, mas sim um desvio de conduta técnica do médico.
Há que se esclarecer que a definição da OMS classifica eventos adversos como incidentes que resultam em danos não intencionais decorrentes da assistência e não relacionados a evolução natural da doença de base do paciente. Não é por outra razão que o Código de Ética Médica em seu artigo primeiro veda ao médico a causação de dano ao paciente seja ela por ação ou omissão, e que venha a caracterizar em conduta de imprudência, imperícia ou negligência.
O Conselho Federal de Medicina tem afirmado que a relação médico-paciente é de natureza personalíssima não podendo ser caracterizada como relação consumerista. Mesmo em que se admita tratar-se de relação de consumo, esta relação é sui generis, não podendo ser englobada nesta normativa, o que concordamos.
MARIA ZULETE DADALTO é médica e advogada, especialista em Direito Médico e da Saúde.
SUGERIMOS PARA VOCÊ:
Tribuna Livre,por Leitores do Jornal A Tribuna