Honra, adultério e tapa na cara
Leitores do Jornal A Tribuna
A honra pode ser entendida como um sentimento que se origina da boa opinião de alguém sobre nós, a qual, por sua vez, se constitui segundo o modo como nos fazemos representar em suas mentes por meio de nossas condutas e atitudes. Como boa parte das relações humanas exige confiança, ser pessoa honrada, isto é, ter reputação e renome constitui vantagem apreciável, sendo, portanto, imperativo.
De fato, honra é um termo polissêmico, abrigando em si diferentes acepções. Por exemplo, denomina-se honra burguesa ou liberal aquela que busca fundar relações pacíficas entre os homens, estabelecendo que sejam respeitados direitos alheios, não se admitindo, pois, o emprego de meios ilícitos em detrimento de outros.
Sua premissa fundamental repousa-se, todavia, sobre a convicção da imutabilidade do caráter humano, em virtude do qual uma só má ação é indicador seguro de que essa conduta se repetirá, indefinitivamente, desde que se apresentem circunstâncias semelhantes.
Por outro lado, de acordo com o ilustre filósofo Arthur Schopenhauer, a honra dos sexos é aquela cujo fundamento de determinação é a própria renúncia, a qual se concretiza no matrimônio.
Nesse sentido, a máxima de honra de todo o sexo, quer masculino ou feminino, é que toda relação fora do casamento seja proibida em absoluto, a fim de que cada um deles se veja forçado a tomar o matrimônio como uma espécie de “game over” (fim de jogo), pois do contrário, se o adultério se generalizasse, ninguém mais se sentiria inclinado a celebrar este tipo de relação social.
Há, contudo, um gênero de honra que, não obstante seja tão antigo quanto o medievo, sua influência perniciosa se estende até os dias de hoje.
Originada numa época em que, na ausência de provas, recorria-se ao duelo como forma de invocar o “Juízo de Deus” sobre a verdade ou mentira de uma acusação, a honra cavaleiresca é aquela cujo fundamento se baseia na ideia de que reparação moral contra ofensa deve ser cobrada de forma violenta.
Àqueles que seguem este código de honra, uma ofensa, um tapa ou um golpe produzem efeito tão terrível que só pode ser anulado mediante apelo às armas.
Se o ofensor não está sujeito às mesmas leis cavaleirescas, ou seja, não é homem suficiente para lutar até a morte, recorre-se a um paliativo, qual seja, retribuir um ato de grosseria com ainda mais acentuada grosseria, seguido de pauladas, açoites ou até uma cuspida ou um tapa na cara do oponente, como forma de reparação moral.
Qualquer pessoa de bom senso, no entanto, reconhece que esse ridículo código de honra não pode ter sua origem na essência da natureza humana.
Na Antiguidade Clássica, por exemplo, o duelo não era prática corriqueira universal, restringindo-se a gladiadores, mercenários e escravos que, juntamente com animais selvagens, punham-se a matar uns aos outros para a diversão do povo.
Decerto, o que acontece é que “muitas vezes nos irritamos com ofensas que não merecem mais que desprezo”. Nesse caso, contra a estupidez, deve-se aplicar a máxima: “uma palavra vale uma moeda; o silêncio, duas”.
FLÁVIO SANTOS OLIVEIRA é professor e doutor em História pela Ufes.
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