Herança digital e a falta de lei
Leitores do Jornal A Tribuna
O falecimento do apresentador Gugu Liberato fez ascender uma discussão no Brasil a respeito da chamada “herança digital”, sobretudo porque, após a morte de Gugu, sua conta no Instagram alcançou mais de 1 milhão de novos seguidores. Recentemente, após a trágica morte da cantora Marília Mendonça, sua conta no Instagram ganhou mais de 2 milhões de seguidores.
Ao longo da última década, a sociedade experimentou uma vertiginosa evolução tecnológica, inclusive em termos de interação pessoal, com o crescimento das redes sociais e até o aparecimento de novas profissões umbilicalmente ligadas à internet (influencers, gamers, etc.).
Atentas ao engajamento do público e à relevância econômica daí advinda, as plataformas se aperfeiçoaram para monetizar os conteúdos produzidos, cada uma com seu regramento próprio.
Muitas contas passaram a ter expressão econômica, seja pelo número de seguidores, capacidade de fomentar o pensamento e o comportamento do público ou mesmo aptidão para a promoção de marcas e produtos. Surge daí o importante debate a respeito dos direitos sucessórios sobre este tipo de ativo no caso de falecimento do titular da conta. É a chamada “herança digital”.
A questão é relevante, pois, se de um lado há a induvidosa expressão econômica desse ativo patrimonial, do outro lado há o direito à privacidade e à intimidade da pessoa falecida, que mantinha um acervo próprio (conteúdo, mensagens e afins) em sua conta.
O Brasil ainda não possui regulamentação específica a respeito das heranças digitais. A discussão é embrionária, mas já é objeto de alguns Projetos de Lei. Perdeu-se uma boa oportunidade de regulamentar a matéria, já que, apesar da edição da Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados), não foi inserido nenhum dispositivo sobre o tratamento dos dados de pessoas falecidas.
A LGPD foi inspirada na regulamentação da Comunidade Europeia (GDPR), que adotou posição neutra quanto ao tratamento de dados post mortem, mas outorgou a cada país membro a atribuição de disciplinar a matéria. Países como Bulgária, Itália e França já possuem regulamento específico.
Há plataformas que têm regramento próprio. O Facebook possibilita a indicação de um “contato herdeiro”, mas com limitação das funções para que a conta se torne um memorial. Em recente decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo destacou que devem prevalecer, quando existentes, as escolhas sobre o destino da conta realizadas pelos indivíduos em cada plataforma ou em outro instrumento negocial, como o testamento.
O fato é que a ausência de normatização no ordenamento pátrio causa insegurança jurídica, motivo pelo qual é aguardada uma solução legislativa que regulamente a matéria, compatibilizando os institutos jurídicos à atual realidade social.
Nesse contexto, ganham relevância as medidas de planejamento sucessório, em que a pessoa, ainda em vida, estabelecerá diretrizes sobre seu patrimônio após o falecimento, o que pode incluir a gestão e o aproveitamento das contas em redes sociais.
Tomás Baldo é advogado especialista em Direito das Famílias e das Sucessões.
SUGERIMOS PARA VOCÊ:
Tribuna Livre,por Leitores do Jornal A Tribuna