O cabo eleitoral e o voto impresso, no início. Uma farra!
Leitores do Jornal A Tribuna
Minha única tarefa era bater na porta da casa do candidato. Garoto ainda, eu ostentava a simplicidade de quem nasceu no interior. "Pois não!" - e surgiu na soleira da porta uma senhora alta, bem vestida, muito sorridente, que me pareceu tratar-se da esposa do candidato a deputado federal. E era. Isso nós logo descobrimos, quando ela nos disse: "Meu marido ainda está repousando; chegou muito tarde, ontem, do comício. Mas em que posso ajudá-los?"
E foi nessas alturas do diálogo que Osvaldo, descaradamente, com bastante eficiência, passou a representar um bem-sucedido proprietário rural. Foi direto ao assunto.
"Madame, minha intenção é colaborar na eleição de seu marido. Não quero nada em troca. Vejo nele um autêntico representante do lavrador, do homem sofrido do campo, do trabalhador da lavoura. Graças a Deus, não tenho problemas financeiros. Na minha fazenda trabalham cinquenta colonos, que, geralmente, votam no meu candidato. Eles confiam na minha honestidade. E sabe como é, madame!... A gente tem que fazer algum agrado pra esse pessoal: um par de botinas, um canivete, um chapéu de palha..."
Assim, Osvaldo acabava de se inscrever como cabo eleitoral de um candidato a deputado federal. (Muito vivo, ele já sabia, de antemão, quais eram os "agrados" que o postulante andava distribuindo a troco de votos).
A madame logo entendeu o recado. Foi lá dentro e já trouxe duas caixas: uma grande, com pares de botinas, canivetes e chapéus; outra, menor, cheia de cédulas. (Nessa época, ninguém sonhava com urna eletrônica). Não havia sequer a cédula única.
Na cabine indevassável, construída na véspera, no cantinho da sala, o eleitor já encontrava uma mesa e, sobre ela, mil cédulas de centenas de candidatos, um vidro de cola e um pincel. O eleitor recebia do presidente da seção um envelope oficial. Entrava na cabine, colocava as cédulas de seus candidatos nesse envelope, que, em seguida, era lacrado com goma arábica. Depois, retornava à mesa, exibia o envelope ao mesário e depositava seu voto na urna. Era um saco de lona com uma fresta na parte superior.
Pensei em sugerir ao Osvaldo que jogasse as cédulas com caixa e tudo num latão de lixo. Não deu tempo. Num piscar de olhos, elas já estavam boiando no rio Itapemirim.
À noitinha, já na zona rural, quando Osvaldo desceu da carroceria do caminhão com aquela caixa enorme na cabeça, seus irmãos ainda estavam no cabo da enxada. Também eram colonos, que nem ele. Os presentes foram distribuídos ali mesmo, à margem da estrada de chão batido. Um par de botinas, um chapéu e um canivete pra cada um. Uma farra!
Solimar Soares da Silva é escritor e juiz de Direito aposentado.
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