Brasil testa nova droga e busca protocolo de cura radical para malária
A tática é experimentada pelo Ministério da Saúde em parceria com as secretarias municipais de Saúde de Manaus (AM) e de Porto Velho (RO)
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O Brasil está testando uma droga que pode ser uma importante aliada no combate à malária, ao encurtar o período de tratamento de uma semana para apenas um dia, e ajudando a conseguir a cura radical, quando elimina-se a chance de recaídas.
A tática é experimentada pelo Ministério da Saúde em parceria com as secretarias municipais de Saúde de Manaus (AM) e de Porto Velho (RO) e respectivas secretarias estaduais.
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A droga em avaliação é a tafenoquina, uma alternativa àquela conhecida como primaquina. Essas drogas são importantes para combater o Plasmodium vivax, o protozoário causador da doença, que, no organismo, se refugia no fígado, podendo ali permanecer e causar um novo episódio de malária no futuro.
Essas drogas conseguem expor e eliminar o organismo unicelular. A diferença é que a tafenoquina, por permanecer por dias no organismo (diferentemente da primaquina, que é degradada em questão de horas), pode ser tomada em dose única, aumentando a adesão ao tratamento e ampliando a chance de cura radical.
O protocolo com primaquina requer tomar os comprimidos por sete dias seguidos, contra apenas uma dose da tafenoquina.
Para combater a forma sanguínea do plasmódio, é utilizada a cloroquina, droga que ficou conhecida durante a pandemia de Covid-19, apesar de não ter demonstrado eficácia no combate à infecção viral. Contra malária, sim, ela funciona.
Como, depois do começo do tratamento, a febre, principal sintoma da forma sanguínea, é debelada, os pacientes se sentem melhor e acabam abandonado os comprimidos de primaquina. Os organismos unicelulares, portanto, permanecem alojados no fígado, permitindo as recaídas.
O ideal, antes de se administrar primaquina ou tafenoquina, é que se avalie a atividade da enzima G6PD (glicose-6-fosfato desidrogenase). Sem ação da enzima, as células vermelhas do sangue se tornam especialmente suscetíveis a um efeito colateral dos fármacos: hemólise (destruição das células) e anemia severa.
Estima-se que 5% da população brasileira tenha essa deficiência, que pode variar de acordo com a ascendência ou grupo étnico do qual o indivíduo faz parte.
O novo estudo, que busca a cura radical da malária, a eliminação do parasita tanto do sangue quanto do fígado, foi apelidado de TRuST (de Tafenoquine Roll-oUt STudy). Já foram incluídos 6.000 casos, sendo que 2.700 tomaram a tafenoquina. A droga já é aprovada para uso no país a partir dos 16 anos de idade. A ideia agora é entender como implementar seu uso em larga escala na saúde pública.
Ainda não há uma publicação em revista científica com os achados, mas, segundo os pesquisadores, já foi possível extrair aprendizados importantes. O primeiro é que é possível a implementação de um protocolo que primeiro testa para a deficiência da G6PD antes do uso das drogas. O segundo é que, apesar do custo adicional do teste diagnóstico (feito na hora, com uma gota de sangue, de forma semelhante a testes de glicemia), ele vale a pena, considerando a prevenção de agravamentos.
Diferentemente da malária causada pelo P. falciparum, que aterroriza principalmente o continente africano, a malária vivax tem baixa letalidade, mas ela também tem consequências terríveis.
"Não é necessariamente a morte física, mas uma morte social. Temos estudos mostrando que a malária diminui o aprendizado. Criança que tem malária duas, três vezes por ano tem dificuldade em aprender, em ingressar numa faculdade, perde oportunidades. O futuro é tolhido pela malária, ela não tem o mesmo rendimento", diz Marcus Lacerda, pesquisador responsável pelo TRuST e que atua na Fundação de Medicina Tropical do Amazonas e no Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz-Amazônia).
O teste diagnóstico da G6PD foi produzido a partir de uma parceria entre a ONG Path e a empresa coreana SD Biosensor. A tafenoquina, produzida pela farmacêutica GSK, teve desenvolvimento apoiado pela Medicines for Malaria Venture (MMV), que congrega apoio de governos e outras entidades no combate à doença, como o USAid e a Fundação Bill e Melinda Gates. O Estudo TRuST é cofinanciado pelo Ministério da Saúde e pela MMV.
A partir dos achados, o esperado é que outros países que sofrem com o P. vivax, seja nas Américas ou em outros continentes, possam criar programas adaptados às realidades locais.
Todos os anos, 247 milhões de pessoas pegam malária (no Brasil são mais de 120 mil casos por ano), e, dessas, 619 mil morrem por causa da doença parasitária, à qual está sujeita metade da população terrestre. Apesar de os números, calculados pela Organização Mundial da Saúde, serem um tanto assustadores, organizações e especialistas enxergam luz no fim do túnel: é possível eliminar a moléstia.
Como o inimigo é complexo, para que isso aconteça, vai ser preciso contar com um arsenal. Isso porque são pelo menos cinco os plasmódios capazes de causar malária, P. vivax, P. falciparum, P. malariae, P. ovale e P. knowlesi, cada um com suas peculiaridades, incluindo diferente resposta aos tratamentos.
Novas drogas são importantes. Como não há, além do homem, outros reservatórios para o parasita, bastaria eliminar a doença humana para que os mosquitos anofelinos, os vetores, não tenham mais o que transmitir. Aí se encerraria a história da doença.
"Estamos saindo de uma lógica de controle para uma lógica de eliminação --que requer outro tipo de pesquisa. Se eu só controlo, mantendo baixos os números de casos, num descuido três viram 1.000, 2.000, 3.000", diz Lacerda. "Mas a gente não acha que exista uma ferramenta única. Dificilmente vamos descobrir uma droga que seja a bala de prata, mas vamos ter que compreender como eliminar a doença combinando estratégias."
Na década de 1960 já se tentou erradicar a malária num grande esforço internacional. O problema é que a única ferramenta era o inseticida DDT. Com o uso prolongado, mosquitos transmissores se tornaram resistentes à substância.
Eliminar a malária país a país e manter esse status, rumo à erradicação, é uma tarefa árdua, portanto. Até hoje, apenas a rubéola foi erradicada (por isso ninguém é vacinado contra ela), mas outras moléstias, como a poliomielite, têm ressurgido por causa de baixos índices vacinais e de desinformação.
Vacina, aliás, é outra ferramenta investigada para controlar a malária. Existe apenas um imunizante, o RTS,S, que já foi testado em Gana, no Quênia e no Malawi. Após quatro anos de observação, a redução de episódios caiu 40%. Em vacinações anteriores a grandes surtos, 75% dos casos foram prevenidos.
O porém é que o RTS,S funciona apenas contra o P. falciparum, mais prevalente na África, e é custo-efetiva apenas em locais onde a prevalência de malária é elevada.
Recentemente, alguns países das Américas conseguiram alcançar o status de eliminação da doença. Paraguai, Argentina e El Salvador chegaram lá, em 2018, 2019 e 2021, respectivamente. Claro, nenhum desses contavam com índices elevados tal qual a região amazônica, que ainda conta com uma distribuição espaçada da população, um desafio para a ação de profissionais de saúde.
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