Zanin vota contra descriminalização do porte de drogas; Mendonça pede vista
Apesar do pedido de vista, a presidente do Supremo, Rosa Weber, decidiu antecipar o seu voto, favorável à descriminalização da maconha
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Indicado por Lula (PT) ao STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Cristiano Zanin se manifestou nesta quinta-feira (24) contra a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, divergindo dos ministros que votaram anteriormente, que defenderam essa possibilidade em relação à maconha.
Zanin sugeriu uma tese, no entanto, que diferencie traficante de usuário de maconha no caso da posse da quantia de 25 gramas ou seis plantas fêmeas, mas "com a possibilidade de reclassificação para tráfico mediante fundamentação das autoridades envolvidas".
Em seguida, o ministro André Mendonça, que foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), pediu vista (mais tempo para análise) sobre a ação.
Apesar do pedido de vista, a presidente do Supremo, Rosa Weber, decidiu antecipar o seu voto, favorável à descriminalização da maconha. Ela se aposenta em setembro.
Próximo ao fim da sessão, o Supremo formou 5 a 1 a favor da descriminalização da maconha -o tribunal tem 11 integrantes. Todos os ministros que já votaram, porém, concordam que deve haver um critério que diferencie traficantes de usuários.
"A mera descriminalização do porte de drogas para consumo, na minha visão, apresenta problemas jurídicos, e ainda pode agravar a situação que enfrentamos nessa problemática do combate às drogas, que é dever constitucional", disse Zanin, ao ler seu voto.
"Não tenho dúvida de que os usuários de drogas são vítimas do tráfico e das organizações criminosas ligadas à exploração ilícita dessas substâncias, mas se o Estado tem o dever de zelar pela saúde de todos, a descriminalização, ainda que parcial das drogas, poderá contribuir para o agravamento desse problema de saúde", acrescentou.
"A aquisição de drogas junto a fornecedores ilegais, muitas vezes a grupos ou facções criminosas, pode colocar em risco a própria vida do usuário."
Zanin afirmou que mesmo países que optaram pela descriminalização do uso de drogas editaram leis específicas para disciplinar, também, a forma de aquisição das substâncias.
"Muitas [das localidades] estão enfrentando um claro questionamento público. Como exemplo, cito o caso da Califórnia, nos Estados Unidos", acrescentou Zanin. O estado americano legalizou o uso recreativo de maconha em 2016.
Mais cedo, o decano do STF, Gilmar Mendes, modificou nesta quinta-feira (24) o seu voto e defendeu a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal apenas para a maconha, assim como fizeram os demais ministros que já votaram na ação sobre o tema.
Em 2015, quando o processo começou a ser julgado, Gilmar, que é o relator do processo, votou a favor da descriminalização do porte para todas as drogas. Os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, porém, restringiram seus votos à maconha.
O julgamento foi retomado no último dia 2, após oito anos, quando Alexandre de Moraes também votou a favor da descriminalização apenas do porte da maconha.
Nesta quinta, quando o Supremo continuou a análise, Gilmar ajustou o seu voto para um entendimento mais próximo dos colegas, mas manifestou ressalvas.
"Aceito a proposta [...] para que eventualmente nos limitemos a essa questão da Cannabis sativa, que é o objeto deste recurso extraordinário, embora eu saiba que podemos estar colocando o tema pela porta ou pela janela e ele volta por outra variante", disse o decano.
"É um tema que certamente será discutido, mas diante mesmo do minimalismo e da necessidade dessa cooperação para definição da quantidade de drogas [para que alguém seja considerado usuário], tendo em vista a sua diversidade, eu dou essa abertura", acrescentou.
No caso que serve como referência para o julgamento, a corte avalia recurso apresentado pela defesa do mecânico Francisco Benedito de Souza. Ele cumpria pena por porte de arma de fogo no Centro de Detenção Provisória de Diadema, em São Paulo, mas sofreu nova condenação depois que foram encontrados 3 gramas de maconha na cela dele.
A ação pede que seja declarado inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/2006, a Lei de Drogas, que considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal e prevê penas como prestação de serviços à comunidade.
A lei, no entanto, não definiu qual quantidade de droga caracterizaria o uso individual, abrindo brechas para que usuários sejam enquadrados como traficantes. Assim, o debate no STF tem relação sobre quais critérios objetivos podem ser usados para distinguir usuários de traficantes.
QUAL SERIA A QUANTIDADE DE MACONHA AUTORIZADA?
Barroso, ao votar em 2015, havia sugerido, para configurar uso pessoal, o limite de 25 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas. Nesta quinta-feira, o ministro sugeriu que talvez essa quantidade de uso pessoal deva ser aumentada para 100 gramas.
Moraes, assim como Barroso, defendeu a criação de parâmetros quantitativos para caracterizar o usuário, mas sugeriu posse de 25 a 60 gramas de maconha ou o cultivo seis plantas fêmeas. Rosa acompanhou o entendimento.
No início de agosto, Moraes votou para que não tipifique crime "a conduta de adquirir, guardar, ter em depósito ou trazer consigo para consumo pessoal a substância entorpecente maconha, mesmo sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
"Será presumido usuário aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito ou trazer consigo de 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas."
Essa presunção, porém, é relativa, votou Moraes, "não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas mesmo quando a quantidade de maconha for inferior desde que de maneira fundamentada se comprove a presença de outros critérios caracterizadores do tráfico de entorpecentes".
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