VÍDEO | Casal preso injustamente por 3 anos desabafa: "A dor é grande demais"
Luane e Adeildo ficaram presos pela morte do filho de 5 anos. Eles foram inocentados na Justiça
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Um recomeço. É assim que o casal de agricultores Adeildo Souza da Silva, de 29 anos, e Luane Monique de Moura Silva, 31, classifica sua vida atual. Após ficarem dois anos e sete meses presos pela morte do filho Artur Moura Silva, de 5 anos, os dois foram inocentados no júri popular.
Adeildo e Luane foram presos no dia 15 de agosto de 2018, logo após a morte de Artur. Na ocasião, a polícia informou que a criança teria sido espancada por quatro dias pelo pai, com a conivência da mãe. Os dois só foram soltos em março de 2021.

No dia 29 de setembro, foram levados a julgamento e absolvidos, após a defesa provar que não houve lesão e que a morte foi provocada por meningite.
A reportagem de A Tribuna entrevistou o casal, que, em um vídeo, relembrou os momentos de sofrimento com a morte do filho, as acusações injustas que receberam e da sensação de serem inocentados.
Assista:
Atualmente, eles estão morando em uma casa construída pelo pai de Luane, em Divino de São Lourenço, município vizinho a Dores do Rio Preto, onde residiam na época da morte de Artur.
“Agora é cuidar da vida. Não vou esquecer o sofrimento que passei, a perda do meu filho, por termos pago por uma coisa que não fizemos”, afirmou o pai.
“A injustiça que fizeram com a gente foi muito grande. A injustiça maior foi não deixar a gente nem velar nosso filho”, disse a mãe.
O julgamento foi conduzido pela juíza Rosalva Nogueira Santos Silva. Pela acusação estava o promotor Ailton Barbosa do Canto. Os advogados do casal, André Chambella Silva Lopes e Roberto Figueiredo Boechat, basearam a defesa no laudo emitido pelo Departamento Médico Legal (DML).
O documento apontou que os hematomas no corpo da criança eram resultados de queda de plaqueta devido à grave infecção (meningite), e que não havia sinais de tortura ou agressões.
Na ocasião, a polícia informou que o pai teria confessado ter ouvido vozes que lhe diziam para bater no menino. No entanto, Adeildo afirmou que isso não ocorreu, que foi submetido à pressão psicológica na delegacia e que a informação que consta do depoimento não é verdadeira.
O Ministério Público informou que “infelizmente a prisão foi um equívoco, baseada nas informações que, à época, davam sustentação para a medida”.

“Vidas foram interrompidas”
A Tribuna – Como se sentem agora, depois que foram absolvidos da morte do Artur?
Adeildo – Foi a coisa mais importante que aconteceu. Não tem explicação. Depois do que passamos, do que lutamos e a verdade chegou. É uma sensação de pagar por aquilo que nós não fizemos. Na hora que fomos absolvidos eu não sabia se ria ou se chorava por dentro. A vontade era de abraçar todas as pessoas que me ajudaram.
Luane – Foi uma sensação de liberdade, de poder viver nossa vida, pois nossas vidas foram interrompidas aqui fora. Dois anos e sete meses presos e saber que eu não iria mais voltar para aquele lugar. Foi uma coisa muito maravilhosa na hora que falaram que, graças a Deus, a gente estava absolvido. Até alguns jurados vieram dar um abraço na gente, chorando, pois viram a injustiça que fizeram.
E o que vocês pretendem fazer da vida, de agora em diante?
Adeildo – Agora é cuidar da vida. O que sei fazer é trabalhar. O futuro já estamos vivendo. Não quero nada mais, só tentar ser feliz, pois não vou esquecer o que passei, da perda do meu filho, a dor. Vou sentir pelo resto da vida por ter pago por uma coisa que não fiz, nem eu e nem minha esposa.
Luane – A injustiça maior que fizeram foi não deixar a gente nem velar nosso filho, nem chorar como os outros no enterro dele.
Qual a sensação de perder o filho e ser acusado de sua morte?
Adeildo – A dor é grande demais. De falar que é inocente e todos falarem que é culpado. A dor de duas pessoas sofrendo, da nossa família separada. Achei que nunca mais iria conseguir reconstruir minha família novamente.
Luane – Eu falava direto que era inocente. Eles falavam, você é culpada.
Em algum momento vocês disseram que agrediram o Artur?
Pai – Não. O pessoal da Delegacia de Alegre esperou vir um retrato de meu filho, com as manchas. Eles batiam na mesa. O que é isso aqui? Você bateu no seu filho? “Não, senhor”, eu falava. “Não tem jeito, vou ter que levar você para o quartinho e você vai ter que falar”, disseram. Ele batia na mesa, eu baixava a cabeça. Estávamos eu e minha esposa, sozinhos, sendo tratados iguais a cachorros. Foi uma pressão psicológica. Eu nunca tinha passado numa delegacia, nunca tinha visto o que vi lá, nunca mais vou ser a pessoa que era.
Delegado-geral diz que caso vai ser levado para a corregedoria
O delegado-geral da Polícia Civil, José Darcy Arruda, defendeu que é injusto creditar à polícia toda culpa pela prisão do casal de agricultores Adeildo Souza da Silva, 29 anos, e Luane Monique de Moura Silva, 31 anos.
Eles ficaram dois anos e sete meses presos pela morte do filho Artur Moura Silva, de 5 anos. Mas, em setembro deste ano, foram inocentados durante júri popular. Arruda afirmou que vai encaminhar o caso para a Corregedoria da Polícia Civil.
“Para que haja uma apuração até mesmo para saber se o delegado agiu de forma errada ou se ele é inocente nestas acusações”, disse Arruda, em vídeo enviado à reportagem de A Tribuna.
Ele explicou que, durante o inquérito policial, o delegado busca provas, laudos e ouve testemunhas sobre a ocorrência.
“Tudo é revisto pelo Ministério Público, Judiciário e por advogados. Se houve erro ou engano, deveria ser visto naquele momento e não deixar chegar ao Tribunal do Júri”, observou.
Arruda ressaltou ainda que, inicialmente, o delegado indiciou pai e mãe por tortura seguida de morte, mas o Ministério Público entendeu diferente e denunciou os dois por homicídio.
“Os dois foram ao tribunal do júri, pois o Ministério Público os levou às barras da Justiça”, destacou o delegado-geral.
“Se houve erro e se houve engano, devemos dividir essas culpas”, completou Arruda. Com relação à fala dos pais de Artur de que ocorreu pressão para que confessassem o crime, o delegado-geral destacou que soube desse fato na última terça-feira.
“Depois de mais de dois anos do fato. Pai e mãe tiveram oportunidade de falar isso para o promotor, advogado e juiz”, disse.
A reportagem procurou o Ministério Público, que até o fechamento da matéria não havia se manifestado sobre a fala do delegado.
ENTENDA O CASO
Morte
- O estudante Artur Moura da Silva morreu no dia 15 de agosto de 2018 no pronto-socorro de Guaçuí, quatro horas após dar entrada na instituição de saúde.
- Como a criança apresentava manchas no corpo, que mais tarde ficaram comprovadas serem resultado da meningite, a equipe do pronto-socorro chamou o Conselho Tutelar e a polícia.
- Antes de levar o filho ao pronto-socorro, a mãe chegou a procurar uma casa de oração espírita para fazer uma reza visando curar a criança. Dias depois, moradores revoltados depredaram o local.
Apuração
- A polícia começou a apurar e afirmou que o menino estaria sendo espancado sistematicamente pelo pai desde o dia 12, em um domingo.
- O casal foi autuado por homicídio qualificado. O pai ficou no Centro de Detenção Provisória de Marataízes e a mãe no presídio feminino de Cachoeiro de Itapemirim.
- Mais adiante, o Departamento Médico Legal (DML) emitiu laudo de morte natural em decorrência de meningite purulenta.
- Apesar do laudo apontando morte natural, a Justiça manteve o casal preso. Os dois foram absolvidos em júri popular no dia 29 de setembro.
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