Rostos de inocentes mortos na guerra do tráfico de drogas
Maioria perde a vida em bairros de periferia da Grande Vitória. Famílias ainda sofrem com a ausência e pedem por justiça
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De um lado traficantes e seus grupos rivais disputando o comando do tráfico de drogas. De outro, famílias amedrontadas e destruídas. Essa é a realidade de muitos bairros da Grande Vitória, onde inocentes acabam pagando com a própria vida.
Foi o caso de Daniel Ribeiro Campos da Silva, de 68 anos, que se tratava em uma clínica de longa permanência, em Gurigica, Vitória. No último dia 25, o idoso foi morto ao ser atingido por um tiro durante um confronto entre a polícia e os bandidos. A bala atravessou a parede do local e acertou a vítima na cabeça.
Histórias parecidas com a de Daniel, onde inocentes perdem a vida devido à guerra do tráfico, são comuns. Tanto que não é difícil encontrar algum familiar que chore a perda de um ente querido, vítima de bala perdida.
“Às vezes eu sento na cadeira da varanda, que fica de frente para a casa dela e fico lá, olhando, pensando no que poderíamos fazer juntos, se ela estivesse aqui. Mas isso não será mais possível. Agora fica a saudade”, disse um familiar da cerimonialista Mari Paula Xavier, de 39 anos, assassinada em fevereiro deste ano.
Ela levou dois tiros na cabeça, enquanto passava de carro em uma rua que faz divisa com os bairros Jardim Botânico e Rio Marinho, em Cariacica. Segundo a polícia, traficantes rivais trocavam tiros no momento que a vítima passava no local.
Temendo represálias, o familiar não quis se identificar. Revelou apenas que a família ainda sofre a perda da cerimonialista e que todos esperam justiça. “Até hoje não sabemos quem fez isso com ela”.
Uma outra família que sofre com a saudade e aguarda justiça é a da pequena Kemilly Vitória Caldeira Santos, de 9 anos.
A garota foi morta com um tiro na cabeça enquanto brincava nas proximidades de casa, na Ilha da Conceição, em Vila Velha, em abril do ano passado.
De acordo com parentes, a mãe da menina, de 26 anos, e a irmã dela, de 6, precisaram se mudar do Estado após sofrerem ameaças de criminosos. “Ela toma remédio tarja preta, não dorme mais e a filha mais nova faz tratamento psicológico”, disse uma familiar, que também se mudou do Estado após o crime.
“Leis precisam ser mais duras”
A problemática dos tiroteios que acabam tirando a vida de inocentes vai além da disputa por territórios do tráfico de drogas.
Para o titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Marcelo Cavalcanti, essas mortes acabam sendo resultado de um conjunto de fatores, entre eles a falta de educação e o fácil acesso a armas, inclusive, de grosso calibre.
“É preciso tratar a causa e não a doença. Os jovens têm abandonado as escolas cada vez mais cedo e têm tido acesso às armas pesadas, inclusive, fuzis. As leis precisam ser mais duras, então, é um conjunto de fatores”, disse o delegado.
Ele explicou também que muitos atritos entre traficantes rivais nem sempre estão ligados à disputa por pontos de vendas de drogas. Um exemplo disso, segundo o delegado, foi o caso onde um homem foi morto dentro de uma casa de shows, em Mário Cypreste, Vitória, em abril deste ano.
“O atirador estava no local, viu um rival, uma pessoa que teve um atrito, e decidiu que o mataria ali, naquela hora. Acabou matando, mas ainda feriu outras pessoas que nem tinham relação com o caso”, explicou o delegado.
Sobre as famílias das vítimas que perderam suas vidas de forma inocente, o delegado disse que a polícia investiga todos os casos.
“Todos esses crimes são investigados em um grau absurdo de profissionalismo. Eu, por exemplo, me envolvo em todos eles e procuro sempre trazer um certo acalento para as famílias”.
Crimes são investigados, diz polícia
Questionada sobre as investigações que apuram as mortes da cerimonialista Mari Paula Xavier, de 39 anos, e da garota Kemilly Vitória Caldeira Santos, de 9 anos, a Polícia Civil diz que foram instaurados inquéritos e que eles continuam sendo investigados.
Sobre o caso da cerimonialista, o órgão disse que as diligências foram iniciadas assim que o fato ocorreu e o inquérito policial segue em andamento na Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção à Mulher (DHPM).
“Todas as diligências estão sendo realizadas dentro do prazo legal, o que inclui oitivas, perícia de local de crime e outras ações inerentes à investigação, que está avançada”, disse um trecho da nota.
A Polícia Civil acrescenta que está à disposição dos familiares. “E ressalta que é de suma importância a contribuição de familiares com informações que possam auxiliar nas investigações”, disse outro trecho.
Sobre a investigação relacionada ao caso da garota Kemilly Vitória Caldeira Santos, a Polícia Civil não deu retorno até o fechamento desta edição.
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ANÁLISE
“Uma guerra sem vencedores”, Emir Pinho, especialista em Segurança Pública e Privada
“É cada vez maior o número de vítimas que inocentemente tombam durante os muitos embates e confrontos causados pelo tráfico de drogas.
Geralmente, essas vítimas são moradoras de subúrbios e comunidades onde quadrilhas e traficantes estabelecem seus territórios de domínio.
Dados gerais apontam que até 2021 o padrão generalizado dessas vítimas se tratava de jovens de baixa renda entre 15 e 29 anos, do sexo masculino, e que, na maioria dos casos, foram atingidas por balas perdidas em deslocamentos nos locais de conflito nos territórios controlados e dominados pelas organizações criminosas.
É importante destacar que não são as únicas vítimas, isso porque toda a sociedade é vitimada em decorrência dessa guerra urbana.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança, em 2020 foram 6.416 pessoas mortas em confrontos, envolvendo vítimas inocentes, traficantes e agentes públicos. Definitivamente uma guerra sem vencedores”.
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