Golpe do falso investimento faz vítimas perderem R$ 5 milhões
Portuário, conhecido por frequentar festas, pagodes e partidas de futevôlei, atraía amigos para pedir transferências
Figura facilmente encontrada em pagodes, festas e partidas de futevôlei em Vitória e Vila Velha, um portuário de 40 anos está sendo investigado por aplicar golpes de falsos investimentos na compra de aparelhos eletrônicos que já somam R$ 5 milhões.
Entre as vítimas estavam amigos de longa data do trabalho e dos bairros onde ele morou, em Jardim Camburi, Vitória, e Praia da Costa, Vila Velha. Eles revelam uma rede de mentiras e promessas do suspeito, que usava a confiança das vítimas para pedir as transferências.
Um portuário de 42 anos, que preferiu não se identificar, contou que conhece o golpista desde a infância, quando moravam no mesmo condomínio. Desde 2006, também passaram a trabalhar juntos.
“Até então, nunca teve nada que indicasse que ele poderia fazer algo assim. Tem uma boa família, um bom emprego. O encontrei em um pagode em Jardim Camburi no início do ano e, como ele estava afastado há um tempo do trabalho, perguntei o que estava fazendo da vida. Ele contou que estava trabalhando com a venda de aparelhos eletrônicos, como iPhones e Macbooks”.
Segundo a vítima, o suspeito revelou que trazia aparelhos de São Paulo e fazia a venda para lojistas de shoppings de toda a Grande Vitória. “Era um negócio grande. Ele mostrou mensagens, tabelas de preços, margem de lucro. Abriu a movimentação bancária dele, que era de R$ 1 milhão em 30 dias”.
A vítima relatou que o suspeito atuava da mesma forma, dizia que recebia encomendas de lojistas, mas que às vezes precisava de capital de giro. Então, para “amigos” que queriam investir, dividia o lucro.
“No final de maio, falei com ele que, se tivesse alguma venda, eu teria interesse em participar. Na primeira vez, participei com R$ 20 mil. Depois de alguns dias, ele me retornou com o suposto lucro da venda. Então fiz mais”.
Entre agosto e setembro, a vítima revelou que ficou cada vez mais difícil receber algo, já que as desculpas cresciam.
“Fomos descobrindo que são dezenas de pessoas. Sempre aparecem mais que caíram no golpe. Meu prejuízo é de cerca de R$ 40 mil, mas para alguns passa de R$ 1 milhão”.
O caso é investigado pela Delegacia Especializada de Crimes de Defraudações e Falsificações.
Depoimento
“Todos falavam bem”
“Eu não o conhecia pessoalmente. Mas confiei porque um amigo próximo garantiu que o conhecia há mais de 10 anos. Todo mundo falava bem dele. Eu tinha um valor que havia sobrado do divórcio e resolvi investir, já que aparentava um bom lucro.
Ele era convincente. Dizia que era só fazer um aporte e que em duas semanas o dinheiro estaria na conta. Comecei em maio e, inicialmente, ele pagou. Depois começou a diminuir.
Foram muitas transferências até chegar a mais de R$ 400 mil. Ele aparecia sempre com um novo investimento: ‘Tenho um de R$ 18 mil, dá 6% em duas semanas, quer entrar?’ Só comecei a desconfiar em outubro, quando sumiu. Ele levou o que eu tinha para viver com meu filho”.
Vítima de 42 anos
Entenda o golpe
Investimentos
O portuário, de 40 anos, dizia a amigos e colegas de trabalho que estava trabalhando com a venda de aparelhos eletrônicos para lojistas de toda a Grande Vitória.
Segundo ele, trazia muitos aparelhos de São Paulo para repassar aos lojistas, com movimentações grandes de valores.
Alegava também que, como muitas vezes demorava para receber de lojistas, precisava de capital de giro para garantir novas encomendas. Por isso, oferecia investimentos para os amigos, com a promessa de na semana seguinte dividir o lucro das vendas.
Retornos
Segundo as vítimas, em alguns casos ele retornava inicialmente valores, para ganhar sua confiança. Depois, ia pedindo cada vez mais para “novos supostos investimentos”.
Como as vítimas eram pessoas conhecidas dele, todas confiavam.
Ostentação
O suspeito enviava fotos com dinheiro, aparelhos, em aeroportos e em shoppings para as vítimas. Sempre aparentava uma boa vida.
Também respondia às mensagens inicialmente com histórias de atrasos com um fornecedor ou problema com o pagamento, mas garantindo que iria devolver.
Até agora, eles afirmam que já descobriram dezenas de vítimas.
Fonte: Vítimas ouvidas.
Conferente 40 anos: “Eram as economias de uma vida”
“Perdi R$ 424 mil, que eram as economias de uma vida de trabalho”. Um conferente portuário, de 40 anos, contou o pesadelo que tem vivido ao descobrir que foi vítima de um golpe, aplicado por colega de profissão que conhece há 19 anos.
A Tribuna: Desde quando o conhece?
Conferente: Ele passou no concurso para trabalhar na área portuária, em 2006. Fizemos todas as provas juntos. Trabalhamos esse tempo todo. Não era uma pessoa desconhecida. Pelo contrário, ainda ocupamos o mesmo cargo.
Ele também sempre teve muitos amigos, presente em festas, eventos sociais, praia.
E esses aparelhos que ele dizia vender, existiam ou era tudo uma mentira?
O que ficamos sabendo é que em 2023 ele vendia mesmo. Teve gente que comprou aparelhos com ele. Mas, depois ele alega ter passado a vender para lojistas, seriam compras maiores.
Ele não enganou tanta gente sem saber o que estava fazendo. Ele conhecia o mercado, valores, margem de lucro. Ele mostrava mensagens de supostos lojistas, tabela de preços. Ele convencia, sempre com a conversa de que precisava de valores para ter capital de giro maior e que dividiria os lucros.
E como chegou até você?
Outro colega de profissão o indicou alegando que estava tratando a saúde da família com o retorno dos recursos aplicados no investimento com os eletrônicos. E então, ao conversar comigo, me ofereceu retorno baseado na revenda legal de produtos Xiaomi e de celulares da marca Apple e até MacBooks.
Ele afirmou que estava em São Paulo para fazer compras e ofereceu para que eu investisse em troca de receber parte dos lucros.
Como estava trazendo dois aparelhos de uso doméstico para mim, me senti na obrigação de ajudá-lo. Mas ele foi me enganando de uma tal forma que, entre o dia 26 de setembro e o dia 2 de outubro, realizei 24 transferências para ele. Ele limpou minhas economias.
Quando percebeu o golpe?
Quatro dias depois. Já comecei a pedir a ele de volta. Falei que não queria o lucro, que eu deixava tudo para ele, mas ele me dizia fazer questão de me entregar.
Eu implorei, mas ele nunca me restituiu nada. Eu não consigo me perdoar por ter confiado dessa maneira. Não foi por ganância, mas por confiar mesmo.
Eu confiava tanto, que fiquei esperando ele em duas ocasiões para me entregar os aparelhos que eu tinha encomendado até tarde da noite. Ele nunca apareceu.
Ele não respondia?
Ele sumiu agora. Andou respondendo, limitou-se apenas a apresentar desculpas. Comecei a documentar todas as conversas, fiz o boletim de ocorrência e representação criminal, então fui descobrindo outras vítimas.
Até hoje me parece inacreditável que isso esteja acontecendo. Já enfrentei crises, tive noites de insônia e cheguei a chorar por várias vezes diante da sensação de impotência.
O que espera agora?
Que ele responda isoladamente por cada crime que cometeu, que suponho serem vários, contra vítimas diferentes e em diferentes períodos.
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