Dez pessoas são vítimas de estupro todo dia no Espírito Santo
Segundo a polícia, criminosos aproveitam a vulnerabilidade das vítimas e fazem ameaças contra elas e os seus familiares
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Para muitos moradores do Espírito Santo o ambiente da convivência familiar é mais perigoso do que a violência das ruas. A comparação é válida para os casos de estupro de vulnerável, quando a maioria dos autores são pessoas próximas às vítimas, segundo especialistas. As mulheres, por sua vez, são vítimas em casa, inclusive no casamento. Mas são alvo de criminosos também em espaços públicos.
Neste ano, uma média de 10 pessoas foram estupradas por dia, no Estado. Ao todo, são 2.894 casos, sendo: 1.603 estupros, 814 estupros de vulneráveis menores de 14 anos e 477 estupros de vulneráveis em outras condições de vulnerabilidade. Os dados são da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), do período de 1º de janeiro a 30 de setembro de 2024, com base na Lei do Minuto Seguinte.
De acordo com o delegado Fabrício Lucindo, chefe da 16ª Delegacia Regional de Linhares, que atende Linhares, Sooretama e Rio Bananal, no Norte do Estado, em todo o ano passado, foram 85 presos por estupro e estupro de vulnerável nos três municípios. Este ano, as prisões somam 51 casos.
“Geralmente, o estupro de vulnerável é cometido por pessoas muito próximas às vítimas. A grande maioria são crianças e adolescentes”, afirma o delegado.
Fabrício Lucindo explica que os criminosos se aproveitam da vulnerabilidade das vítimas e fazem ameaças contra elas e seus familiares. “As vítimas precisam ter coragem para denunciar. Estamos prendendo e levando esses criminosos para o Poder Judiciário. Tem o canal do Disque Denúncia 181. O anonimato é garantido”.
A advogada criminalista Larah Brahim explica que as mulheres podem ser vítimas de estupro dentro de seus relacionamentos. “Pode acontecer tanto em relação a alguém que a mulher não conheça, como em relação a alguém que ela conheça, por exemplo, no caso do estupro marital, realizado pelo companheiro”.
O presidente da Comissão de Advocacia Criminal e Penitenciária da seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), Anderson Burke, comenta que somente o Código Penal não inibe o crime.
“O Direito Penal é um dos instrumentos, mas tudo tem que vir de uma cultura que respeite os vulneráveis”, afirma.
De 1º de janeiro a 30 de setembro, 1.815 pessoas estão atrás das grades (provisórios e condenados) por crimes sexuais. Entre os detentos, 438 estão presos por estupro e 1.377 por estupro de vulnerável, de acordo com a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus).
Saiba mais
Lei do Minuto Seguinte
A Lei do Minuto Seguinte estabelece o atendimento obrigatório e integral a vítimas de violência sexual, independente de apresentarem boletim de ocorrência, ou outros documentos.
Estabelece que os hospitais do SUS devem oferecer atendimento emergencial, integral e multidisciplinar às vítimas, entre outras ações.
Dados prisionais
No Estado, 1.815 estão atrás das grades (provisórios e condenados) por crimes sexuais;
438 estão nas unidades prisionais por estupro;
1.377 por estupro de vulnerável.
Pena
Estupro: artigo 213 do Código Penal - Pena - reclusão, de 6 a 10 anos.
Estupro de vulnerável: Pena - reclusão, de 8 a 15 anos.
Fonte: Sejus, Polícia Civil e especialistas.
Mães e pais podem ser presos se não denunciarem
Pais e mães que souberem que filhos e filhas vulneráveis estão sendo estuprados e se omitem de denunciar podem responder pelo crime, mesmo que não o tenham cometido na prática.
“Os pais, por obrigação legal, têm o dever de proteger os filhos. Se uma mãe sabe que o padrasto mantém conjunção carnal com a sua filha, menor de 14 anos, e, podendo agir, nada faz para resguardar a dignidade sexual da menor, é plausível a responsabilização pelo estupro de vulnerável na modalidade omissiva”, afirma o advogado criminalista Matheus Sardinha da Motta.
Ele destaca que, de acordo com o Código Penal, há dois tipos de condutas que podem ser penalmente relevantes: a ação e a omissão. Em alguns casos, pondera, certos indivíduos possuem o dever jurídico de agir e proteger bens jurídicos alheios (vida, integridade física, dignidade sexual, e outros).
Matheus da Motta explica que essa posição de garantidor surge nas seguintes hipóteses: quando a pessoa tem o dever legal de cuidado, proteção ou vigilância, quando a pessoa assumiu a responsabilidade de impedir o resultado ou quando a pessoa, com seu comportamento anterior, criou o risco de provocar o resultado.
Nestes cenários, o sujeito, ao se omitir, responde como se tivesse cometido o crime por ação, de acordo com o especialista. “Nos casos de estupro de vulnerável é possível, sim, que alguém responda na forma omissiva, ou seja, ainda que não tenha praticado conjunção carnal ou outro ato libidinoso com vulnerável.
Dados de janeiro a setembro deste ano
(Crime / mulher / homem / total)
Estupro / 1.412 / 191 / 1.603
Estupro de vulnerável menores de 14 anos / 668 / 146 / 814
Estupro de vulnerável em outras condições de vulnerabilidade / 384 / 93 / 477
Estupro de vulnerável em outras condições de vulnerabilidade
(Vítimas / mulher / homem / total)
Pessoa com deficiência física / 12 / 6 / 18
Transtorno mental / 139 / 25 / 164
Transtorno intelectual / 46 / 20 / 66
Transtorno comportamental / 162 / 31 / 193
Outros transtornos / 25 / 11 / 36
Total: 2.894 casos
Fonte: ESUS VS -01/01/2024 a 30/09/24.
Análise
“Meta é fortalecer vítimas para interromper o ciclo de abusos”
“A Lei do Minuto Seguinte é essencial para garantir a acolhida adequada às vítimas, auxiliando na proteção dos direitos humanos e no combate à violência de gênero.
Na maioria dos casos de estupro de vulnerável, são familiares e amigos os autores dos crimes pela facilidade do convívio e também pela confiança que a vítima tem no agressor.
Por ser um evento traumático, o estupro ocasiona grande risco de desenvolvimento de alterações comportamentais, emocionais e cognitivas.
O estupro é um crime que provoca feridas que são carregadas para toda a vida, por parte de quem sofreu a violência sexual.
Por isso, a importância do amparo e a adoção de medidas preventivas como terapias, meditação e, se necessário, fármacos.
É necessário que se encontrem meios para fortalecer as vítimas, a sua autoestima, sua identidade e para explicar a importância de interromper o ciclo de abuso, tendo as leis como auxílio.”
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