“Entendi que estava diante de um monstro”, diz bombeiro sobre Georgeval
Para o tenente-coronel Benício Ferrari, que conversou em 2018 com o ex-pastor Georgeval Alves, o acusado forçava o choro
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Não é difícil encontrar pessoas que se emocionam ao falar sobre o caso dos irmãos mortos, no ano de 2018, em Linhares, Norte do Estado, quando houve um incêndio.
Segundo a Polícia Civil, Joaquim Salles Alves, 3 anos, e o irmão Kauã Salles Butkovsky, 6 anos, foram espancados, estuprados e queimados vivos pelo próprio pai e padrasto, Georgeval Alves Gonçalves.
Moradores, delegados, peritos e até equipes dos bombeiros que estiveram no local do incêndio se emocionam ao falar do crime cometido, segundo a Polícia Civil, contra as crianças.
Uma dessas pessoas é o tenente-coronel Benício Ferrari, na época do fato, comandante do 2º Batalhão dos Bombeiros de Linhares.
O coronel, que foi até a casa das crianças na manhã seguinte às mortes, conversou com a reportagem de A Tribuna e contou detalhes do que presenciou naquela manhã do dia 22 de abril, domingo.
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A Tribuna – O que fazia no dia do incêndio?
Tenente-coronel Benício Ferrari – Eu estava em casa, em Laranjeiras, na Serra, quando me ligaram por volta das 3h30 falando da ocorrência. Eu mudei de roupa, peguei a viatura e fui. Cheguei lá por volta das 6 horas.
Qual era o cenário no local?
Eu já sabia da gravidade e que tinham duas crianças mortas. No caminho, a equipe que atendeu a ocorrência me ligou dizendo que a perícia da Polícia Civil já tinha chegado e que queriam recolher os corpos. Eu disse que poderia ser feito. No local, havia uma destruição muito grande no quarto das crianças. A parte onde ficava o beliche estava bem destruída. Eu percebi que, do lado oposto da beliche das crianças, perto da janela, as marcas de queima eram maiores e eu estranhei isso. Fiz minhas análises e voltei para casa.
Na terça-feira, voltei para o local do fato. Pedi que alguém da família fosse lá para me falar sobre os detalhes do quarto, porque eu precisava desenhar isso na minha cabeça. Inicialmente, iria uma tia das crianças, mas me disseram que, como ela estava grávida e muito abalada, que não conseguiria ir, e então, tudo bem.
Não chamou o pai ou a mãe?
Eu não queria falar com o pai nem com a mãe, porque, afinal de contas, eles tinham acabado de perder dois filhos. Mas minha equipe informou que eles dois já tinham até fornecido uma entrevista para a imprensa. Ainda assim não quis assistir para não interferir no meu trabalho.
E depois disso?
Eu estava na sede do batalhão, quando o Georgeval foi até lá porque ele tinha sido informado que eu precisava falar com alguém da família. Fomos juntos até a casa e a versão que ele contava era uma versão que não condizia com o que poderia ter acontecido ali.
O que ele dizia?
Que o incêndio começou pelo ar-condicionado e passou pelo beliche das crianças; que ele entrou no quarto e engatinhou até a parte de cima da cama e não enxergava nada.
Primeiro que, se ele entrou e foi até a parte de cima da cama e não enxergava nada, é porque a fumaça passou pelo nível da cabeça dele. E, se tivesse mesmo passado, a temperatura aproximada ali dentro era de aproximadamente 600 ºC e a pele humana só suporta 80 ºC. Ou seja, ele teria se queimado muito e eu não vi queimaduras nele.
Foi então que você descobriu que ele estava mentindo?
Sim, eu até disse para mim mesmo: “esse cara está mentindo”. A frieza dele me incomodava muito também. Ele estava muito frio para alguém que tinha acabado de perder dois de seus filhos. Liguei para o doutor Romel e comentei sobre essa frieza.
Qual o momento mais impactante dessas apurações?
Eu tive dois momentos que foram emocionalmente impactantes. O primeiro foi quando eu cheguei na casa, e você imagina aquela situação, onde um pai perde dois filhos e vê toda aquela cena de desastre.
O outro momento foi quando ele (Georgeval) apareceu no quartel e começou a contar a história dos filhos. Eu nem queria que ele me contasse sobre a história em si, mas só sobre o incêndio. De repente, ele começa a contar os detalhes e começou a chorar, mas o choro era forçado.
O que pensou nessa hora?
Eu achei muito estranho quando ele começou com esse choro forçado e contando uma história que tecnicamente era impossível de ter acontecido e, do nada, do nada, ele para o choro.
Nessa hora, nesse choro dele e a forma como ele saiu do choro e voltou para um cara interessado em falar onde estava cada objeto do quarto, nessa hora, o arrepio subiu pela minha espinha.
Minha sensação foi: “eu estou diante de um monstro, um psicopata”. Aquele que não tem emoção associada às ações mais absurdas”. Nessa hora, eu gelei!
O OUTRO LADO
Não se pronunciou
Acionada pela reportagem de A Tribuna, a defesa do ex-pastor Georgeval Alves Gonçalves informou, por meio de nota, que na primeira semana de fevereiro assumiu o patrocínio de seus interesses nos autos da ação penal de número 0004057-45.2018.8.08.0030, em trâmite na 1ª Vara Criminal de Linhares, o qual se encontra pautado para julgamento em 3 de abril deste ano.
“Informa, ainda, que se manifestará sobre os fatos na presença do Egrégio Conselho de Sentença, por ocasião da sessão de julgamento, com vistas ao princípio da plenitude de defesa”, disse um trecho da nota.
O advogado explicou também que solicitou o reagendamento do júri por ter um procedimento cirúrgico para o dia que havia sido marcado o julgamento.
A defesa também preferiu não informar sobre o estado atual do acusado, alegando que ainda não havia falado com o réu.
A ex-pastora Juliana Salles também foi procurada pela reportagem de A Tribuna. Ela não respondeu às mensagens enviadas pela reportagem até o fechamento desta edição.
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