Xadrez político em Pernambuco: a disputa por Lula na retomada da RNEST
Em Ipojuca, governadora, prefeito e ministro traçam estratégias para 2026 em discursos de lealdade, protagonismo e avanços regionais
A cerimônia de anúncio da expansão da capacidade operacional da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Ipojuca, na Zona da Mata Sul de Pernambuco, transcendeu a pauta técnica da Petrobras.
O evento transformou-se em um palco de articulações políticas, onde os principais líderes estaduais—o Prefeito do Recife, João Campos (PSB), o Ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos), e a Governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSD)—mediram forças e exibiram alinhamento com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com olhos postos nas eleições de 2026.
Os discursos revelaram um intrincado jogo de xadrez que envolve a disputa pela sucessão no Governo do Estado e o fortalecimento de chapas para o Senado.
Aliança estratégica e a projeção de 2026
O discurso do Ministro Silvio Costa Filho foi o mais abertamente alinhado à estratégia eleitoral do Planalto, projetando o cenário de 2026 de forma explícita.
O ministro, que é cotado nos bastidores como um potencial candidato a senador na chapa do Prefeito João Campos, iniciou sua fala com uma declaração de lealdade inabalável e proselitismo político.
Ele cumprimentou “o melhor presidente da história do Brasil, o nosso pernambucano, presidente Lula” e, sem rodeios, cravou a aposta no futuro: “que se Deus quiser, em 2026, vai se reeleger presidente do Brasil”.
Essa antecipação de pauta serviu para consolidar a posição de Silvio Costa Filho como um dos mais dedicados ministros do Nordeste e um ativo político valioso para a base lulista no estado.
Ele fez questão de contrastar o governo atual com o anterior, marcando território ao afirmar que “perdemos muito no governo anterior com o ex-presidente da república” e que o período foi de “obras paralisadas que praticamente Pernambuco não teve uma obra, uma ação”.
A fala do ministro também foi marcada pela gratidão, seja como membro do governo, seja como “cidadão pernambucano”. Silvio Costa Filho afirmou que “quis o destino que o presidente Lula, o filho de dona Lindu, voltasse a ser presidente da República para cuidar de Pernambuco e cuidar do Brasil” , finalizando com a reiteração da certeza eleitoral, alfinetando a oposição: “é por isso que do lado de lá eles estão desesperados, porque mais uma vez, ministro Rui Costa (presente na solenidade), vão perder a eleição porque o presidente Lula vai se reeleger”.
A consagração da paternidade Lulista
O prefeito do Recife, João Campos, cotado como um forte candidato ao Governo de Pernambuco em 2026, também utilizou o evento para reforçar o vínculo histórico e pessoal entre Lula e o estado. Seu discurso foi focado em creditar integralmente ao presidente a decisão estratégica de implantar a RNEST, transformando-a em um símbolo da visão desenvolvimentista nordestina.
Campos fez um apelo emocional à memória, citando a luta de seu pai, Eduardo Campos, pela obra, mas centralizando a decisão final em Lula. “A história do nosso estado é uma história antes e depois de Lula”, declarou o prefeito. Ele argumentou que a realização da refinaria só foi possível porque havia “um nordestino pernambucano na presidência do Brasil”.
Ainda que seja uma figura de oposição estadual à governadora, João Campos demonstrou cortesia institucional ao saudar “a governadora Raquel Lyra” no início de sua fala.
Contudo, o foco do prefeito permaneceu na exaltação do legado de Lula, garantindo a fidelidade do Nordeste: “precisou o presidente Lula voltar para reafirmar que o Nordeste é parte da solução do Brasil e poder trazer mais desenvolvimento ainda pra cá”.
Campos encerrou agradecendo e elevando o papel social do presidente: “o que é feito aqui tem um impacto muito grande em todo o estado, na nossa cidade do Recife, a capital do estado, e eu tenho certeza que é só o início de uma caminhada. Porque quando Lula é presidente o povo que mais precisa sai beneficiado porque a oportunidade chega”.
Veja também: Agenda de Lula em PE terá presença de Raquel Lyra e João Campos
O protagonismo de Raquel Lyra e o ‘fogo amigo’
A fala da Governadora Raquel Lyra foi a mais rica em nuances. Eleita sem externar voto em Lula em 2022, Raquel Lyra buscou se aproximar do presidente, apresentando-se como parceira de projetos.
Ela usou seu aniversário como um ponto de conexão pessoal, afirmando: “Presidente, hoje é dia do meu aniversário e eu vim celebrar com o senhor”. E completou com uma frase que demonstra o esforço de aproximação: “o senhor podia ter escolhido qualquer dia do ano para vir para a refinaria e o senhor escolheu a data do meu aniversário. E eu sou grata por isso”.
A estratégia de Raquel Lyra de buscar protagonismo e visibilidade com o presidente foi intensa. Além da proximidade no palanque e do discurso elogioso, a governadora aproveitou o momento para fazer um pedido inusitado a Lula: a solicitação de uma fotografia com ele e a bandeira de Pernambuco, um movimento claro para fixar a imagem de parceria na memória pública.
Entretanto, do ponto de vista da expertise política, houve "saia justa" criada com o Ministro-Chefe da Casa Civil, Rui Costa. O ministro, que é ex-governador da Bahia (estado notório rival político e econômico de Pernambuco no Nordeste), foi publicamente confrontado com dados de desenvolvimento local.
Destaque para o protagonismo pernambucano
Em tom de celebração pelo protagonismo pernambucano, Lyra declarou: “E Pernambuco, me desculpe Rui, pelo segundo mês consecutivo está gerando mais emprego que a Bahia, nós voltamos a ser líder no Nordeste de geração de emprego de carteira assinada”.
"A gente estava desacostumado com esses números muito grandes, porque passamos muito tempo sem investimento acontecendo aqui", alfinetou os seus antecessores.
O 'fogo amigo' regional não parou por aí. A governadora citou outro ponto de ultrapassagem baiana: “Ultrapassamos a bacia leiteira da Bahia e somos a primeira bacia leiteira do Nordeste brasileiro”.
Raquel Lyra ainda se desculpou com Rui Costa de modo protocolar (“me desculpe Rui” ), mas manteve a ênfase no resgate do protagonismo de Pernambuco. A atitude foi estratégica para agradar a base política e econômica estadual e para mostrar a Lula o empenho do seu governo, que “não fomos buscar culpados, fomos buscar solução e trabalhar”.
Fogo amigo x elogios
Por outro lado, ela também elogiou Rui Costa como ministro, mostrando a atenção que está recebendo da gestão de Lula: "Eu quero lhe agradecer, Rui, por me ensinar caminhos, por ajudar a encurtar as distâncias, de quem sonha grande, mas estava vendo esse sonho muito instante, e quem queria ver os sonhos acontecerem agora".
Ao falar sobre as creches, que está construindo, disse: "Eu não perguntei, presidente, como o senhor também não, quem votou em mim, quem deixou de votar. Ou quem vai votar em mim na próxima eleição eu deixará de votar porque não é sobre voto. É sobre compromisso geracional".
A dinâmica Lyra x Campos também foi notória na microanálise dos cumprimentos. Enquanto o Prefeito João Campos citou “a governadora Raquel Lyra” , a governadora, por sua vez, mencionou apenas “os prefeitos e prefeitas que estão aqui” , tratando o prefeito da capital de modo genérico.
Esse distanciamento protocolar reforça a temperatura da disputa estadual, na qual Lyra (PSDB) e Campos (PSB) se posicionam como adversários naturais para o pleito de 2026.
Um jogo de múltiplos palanques
A cerimônia na RNEST serviu, portanto, como um termômetro para o cenário político de Pernambuco e do Nordeste. O evento demonstrou que a aliança nacional em torno da gestão de Lula é forte, com Silvio Costa Filho e João Campos em plena sintonia com o Planalto. A fala de Costa Filho endossou a reeleição de Lula, enquanto Campos legitimou o legado histórico do presidente.
Já Raquel Lyra equilibrou-se no palanque, buscando capitalizar a parceria federal sem se submeter integralmente à base aliada local. Sua performance foi a de uma gestora que cobra entregas, resgata a autoconfiança de seu estado e não hesita em provocar e elogiar publicamente o ministro da Casa Civil—o braço-direito do presidente—em nome do protagonismo de Pernambuco.
Sua ênfase em ser a “primeira mulher eleita governadora de Pernambuco” e sua dedicação em fazer “transformação” e “fazer junto e para fazer diferente”, reiteram o desejo de cravar sua marca e se firmar como uma figura política de peso, além das fronteiras partidárias.
Os três líderes pernambucanos saíram do evento com objetivos atingidos: Campos reforçou sua posição como herdeiro político do lulismo no estado; Costa Filho reafirmou sua lealdade incondicional, pavimentando o caminho para sua projeção futura; e Lyra, de forma audaciosa, demonstrou a Lula que é uma parceira pragmática, disposta a lutar pelo seu estado, mesmo que isso signifique incomodar aliados de peso. O xadrez político em Pernambuco segue em aberto, com o tabuleiro montado para a disputa de 2026.
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