Preso por tentativa de feminicídio, secretário de Calumbi não foi exonerado
Embora tenha sido preso em flagrante e tido a prisão preventiva decretada, secretário foi apenas afastado das funções até conclusão das investigações
A Prefeitura Municipal de Calumbi (PE) emitiu uma "Nota de Esclarecimento" nesta quinta-feira (11), após a repercussão da prisão preventiva do Secretário de Esportes do município, acusado de um crime de extrema gravidade: tentativa de feminicídio contra a própria esposa, que está com câncer.
Sargento reformado da PM, Numeriano Luiz de Sá, conhecido como Nô Numeriano, 64 anos, teve a preventiva decretada e está no Centro de Reeducação da Polícia Militar de Pernambuco (CREED/PMPE) e não no Cotel, como divulgamos anteriormente.
No entanto, a medida adotada pela gestão municipal foi apenas o afastamento do servidor de suas funções, e não a exoneração imediata, gerando questionamentos sobre a leniência da resposta política diante da seriedade do caso.
A prefeitura soltou nota dois dias após o crime, um dia depois de ele ser preso de forma preventiva. Detalhe: O cargo de secretário é político, não efetivo.
A gravidade do crime e o papel do Agente Público
A acusação de tentar tirar a vida de sua esposa – segundo informações dadas por testemunha – configura um crime de violência doméstica e de gênero da mais alta gravidade, um fato que a própria nota da Prefeitura diz repudiar "toda e qualquer prática de violência, especialmente a violência contra a mulher".
O dilema moral se aprofunda pelo cargo ocupado pelo servidor. Como Secretário de Esportes e Lazer, ele lida diretamente com a formação e o desenvolvimento de crianças e jovens, atuando em um setor que deveria ser pautado pela promoção de valores éticos, morais e de respeito mútuo.
A prisão preventiva por tentativa de feminicídio não apenas anula sua autoridade moral, mas coloca em cheque o exemplo que tal agente público pode dar à comunidade. Pernambuco registrou 82 feminicídios de janeiro a novembro deste ano. Não é tempo de panos mornos.
Afastamento: resposta tímida diante da prisão
A Prefeitura de Calumbi, na nota, informa que o servidor será afastado de suas atribuições legais e administrativas "até que haja conclusão das investigações".
Para observadores e setores da opinião pública, a medida é considerada insuficiente. O afastamento é uma suspensão temporária, enquanto a prisão preventiva – decretada pela Justiça – é um indicativo fortíssimo da gravidade da conduta e do risco que o servidor representa.
Nada de exoneração
A expectativa era por uma resposta política imediata e inequívoca, como a exoneração (demissão) do cargo, para demonstrar um repúdio efetivo, e não apenas retórico, à violência contra a mulher.
Apesar de a nota trazer um parágrafo que reafirma "seu compromisso permanente com a proteção dos direitos humanos, a promoção da igualdade e a defesa da integridade física e moral de todas as pessoas", a atitude de manter o secretário apenas "afastado" contrasta com a força das palavras.
A comunidade aguarda uma providência administrativa mais dura e definitiva, que reforce o princípio de que servidores públicos, especialmente aqueles envolvidos em crimes dessa magnitude, não devem permanecer, nem mesmo em caráter temporário, nos quadros da gestão.
Marcas que não se apagam
É importante lembrar: As consequências do espancamento brutal provocados por Numeriano, segundo a polícia e a vítima, incluem a fratura do nariz, a perda de três dentes e o desenvolvimento de dois abscessos nos olhos.
Tais marcas físicas reforçam a tese de extrema violência utilizada pelo agressor, evidenciando que a intenção não era apenas agredir, mas sim ceifar a vida da mulher.
O escalamento da violência e a versão forjada do acidente doméstico
A gravidade do crime ganha contornos ainda mais chocantes com o depoimento da vítima, 57 anos, e os relatos de sua família, obtidos pela nossa equipe. A advogada criminalista Manuela Guimarães, uma das responsáveis pela defesa da mulher agredida, trouxe detalhes sobre a sequência de violência que culminou na tentativa de feminicídio.
O início da fúria: um remédio no chão
Segundo o relato da advogada Manuela Guimarães, a violência física, a primeira em 27 anos de casamento, começou por um motivo trivial e cruel.
“O que ela relatou pra gente foi que o remédio que ela estava tomando caiu atrás da geladeira e ela chamou ele pra poder ajudar a afastar a geladeira. Ele disse, não, você toma depois. E aí ela disse, não, mas eu preciso tomar esse remédio agora, (porque era um remédio oncológico). E aí ele pegou e puxou a geladeira e ela disse que não o viu mais.”
A vítima, que trata um câncer e estava no Recife para consultas médicas, baixou para pegar o medicamento. O que se seguiu foi uma agressão brutal:
“Quando ela baixou, ela sentiu uma pancada atrás da cabeça. Ela pensava que tinha batido, para você ter noção. Ela não imaginava que isso ia acontecer. Ela pensava que tinha batido atrás em algum móvel. Aí depois ela sentiu uma pancada na frente. Aí ela disse pra ele, olha, eu acho que a geladeira tá dando choque. Aí nesse momento que ela falou isso, ele se atracou com ela e ela viu que ele estava com o bastão, que na verdade era um pedaço de madeira, batendo na cabeça dela.”
Em meio aos gritos de socorro, vizinhos intervieram, sendo um deles, corajosamente, o responsável por entrar no apartamento e resgatar a vítima, impedindo que o pior acontecesse: o jornalista Márcio Santos.
A tentativa de disfarce: o acidente doméstico forjado
O Secretário de Esporte e Lazer, sargento reformado da PM, Numeriano Luís de Sá, de 64 anos, teria tentado forjar a narrativa de um acidente doméstico para encobrir o crime.
O irmão da vítima, que não se identificou na reportagem, relatou o momento em que a família percebeu o disfarce. O acusado atendeu o celular da esposa e tentou vender a versão:
“Ele atendeu a ligação, nervoso, e disse para a minha irmã que ela tinha sofrido, que a minha irmã Luísa, tinha na verdade sofrido um acidente doméstico, que tinha se abaixado para pegar um medicamento, tinha ficado tonta e tinha caído, que estava com muito sangue e que os vizinhos tinham socorrido e tinham levado ela para algum lugar que ele não sabia.”
A versão não convenceu a família. "Aquela versão não fazia sentido", disse o irmão, que se dirigiu imediatamente ao apartamento. No local, a polícia e o SAMU já estavam presentes, e a vítima estava sendo encaminhada ao Hospital Português, onde segue internada com estado de saúde estável.
Violência psicológica e patrimonial precederam o feminicídio
Apesar de ser a primeira agressão física, a advogada Manuela Guimarães ressaltou que a vítima vivia em um ciclo de violência há quase três décadas.
“Ela já vinha passando há 27 anos por essas violências psicológicas, violências morais, violências patrimoniais também, porque ela tinha vários bens e alguns bens foram vendidos para garantir algumas questões dele também.”
A violência psicológica era evidente no discurso do agressor: "Ele dizia pra mim que ele estava fazendo um grande favor de estar comigo, que a minha família não gostava de mim, que ninguém gostava de mim."
Divórcio e proteção patrimonial
Paralelamente às medidas criminais, o caso agora exige urgência na área de Direito de Família. A advogada Lorena Guerra afirmou que a prioridade é a dissolução total do vínculo e a proteção da vítima.
“Paralelo agora às medidas criminais que já estão sendo tomadas, essa vítima, que graças a Deus sobreviveu a essa tentativa de feminicídio, precisa agora ser, de fato, resguardada. E é onde entra a parte de direito de família para a gente organizar o divórcio, sobretudo para resguardá-la patrimonialmente, a fim de que ela não venha mais sofrer outras violências.”
O agressor, sargento reformado Numeriano Luís de Sá, teve sua prisão em flagrante convertida em preventiva após audiência de custódia e foi encaminhado ao Centro de Reeducação da PM (CREED). Até o fechamento desta reportagem, os advogados do acusado não se posicionaram publicamente sobre as acusações.
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