Emocionado, Lula pede 'movimento dos homens' no combate à violência contra a mulher
Presidente cita caso recente em Pernambuco — incluindo o homem que matou mulher e quatro filhos na Várzea — e diz: “Não existe pena que faça justiça
Em um ato que deveria celebrar a expansão da capacidade operacional da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Ipojuca (PE), o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva desviou-se abruptamente da pauta econômica para proferir um dos discursos mais intensos, pessoais e impactantes de seu mandato contra a violência de homens contra mulheres.
Em uma longa e surpreendente mudança de foco, que tomou quase a metade de seu tempo de fala e o levou a pedir desculpas à Petrobras, o presidente teceu duras críticas à brutalidade masculina, citando casos recentes que chocaram o país e defendendo a urgência de uma mudança cultural que deve partir dos próprios homens.
Dor íntima compartilhada
O ponto de inflexão veio com o relato de uma dor íntima e compartilhada. Lula revelou que sua esposa, a primeira-dama Janja, chorou repetidas vezes ao longo do final de semana após a veiculação de notícias de feminicídios no país.
Segundo o presidente, foi a partir desse luto que partiu um apelo direto: “Ô Lula, assuma a responsabilidade de uma luta mais dura contra a violência do homem contra a mulher no planeta Terra”. O presidente, visivelmente emocionado, aceitou a missão em público, perguntando-se:
“O que está acontecendo na cabeça desse animal, que é tido como a espécie animal mais inteligente do planeta Terra, para tanta violência?”. A questão, que ecoou no ambiente da refinaria, transformou a celebração de um investimento industrial em um palanque para a conscientização social. Ele chegou a chamar os agressores de mulheres e estupradores de crianças de "animais". Mas ainda não deu detalhes de como vai atuar de forma mais dura no tocante a este tema.
Veja esse trecho do discurso do presidente aqui
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Brutalidades mencionadas
Lula listou com detalhes a brutalidade dos crimes recentes, citando o caso de um agressor que “pegou duas pistolas na mão e descarregou a pistola contra a mulher” , outro que “matou a mulher grávida com quatro filhos, tocou fogo na casa (em Pernambuco)” , e o que “atropelou a mulher e arrastou ela a um quilômetro” , resultando na amputação das pernas da vítima.
Diante de tal barbárie, o presidente lançou um desafio direto ao sistema de justiça, questionando se as leis atuais são capazes de oferecer qualquer tipo de reparação moral ou legal. “A pergunta que eu faço é o seguinte, o código penal brasileiro tem pena para fazer justiça a um animal irracional como esse?”.
A reflexão sobre a justiça penal ganhou um contorno de crítica social ao ser comparada com a impunidade de criminosos abastados. Lula lamentou a situação em que um agressor rico é punido de forma branda, comparando-o a um indivíduo pobre que comete um crime de menor potencial ofensivo.
“Se o cara tiver dinheiro, como aquele madrandão que ficou dando 60 focos na cara da mulher no elevador, se ele tiver dinheiro, ele fica dois anos preso e vai para a rua bater noutra mulher” , enquanto “um pobre desgraçado que rouba um pão na padaria para comer é preso e não tem nem advogado para defendê-lo e não tem um juiz para liberá-lo”.
Para o presidente, a punição legal não se equipara à atrocidade dos atos, afirmando: “não existe pena para punir um cara desse. Porque até a morte é suave”.
A responsabilização masculina
O cerne do discurso residiu no apelo por uma mudança de conduta e na responsabilização masculina. O presidente defendeu que a solução passa pela reeducação e pela honra, afirmando que “Cada um de nós homens precisamos ter o professor do outro”. A crítica se estendeu a homens que usam a força física, fazendo um comentário de forte impacto: “Era melhor que tivesse nascido sem braço”. Ele prosseguiu, definindo o propósito do corpo: “Porque o braço Deus nos deu para a gente trabalhar, para a gente fazer carinho, para a gente fazer cafuné, para a gente fazer coisa boa e não para a gente bater nos outros”.
Dirigindo-se aos presentes, Lula fez um apelo emocional a homens em relacionamentos infelizes ou violentos: “Se você não está bem com a sua companheira, por favor, seja grande. Não bata nela, se separe dela”. Ele enfatizou que a convivência deve ser por escolha mútua, não por dependência ou aprisionamento. “Se ela não gosta de você, ela é obrigada a ficar com você. Deixe ela cuidar da vida dela, não aprisione essa pessoa”.
“Se você um dia tiver que bater numa mulher, é melhor que lhe caia as mãos”
O compromisso público e inédito de Lula culminou no lançamento de um movimento: “A partir de agora, eu estou no movimento dos homens que vão começar a conscientizar esse país de que o homem não nasceu para bater em mulher, para estuprar criança ou para fazer violência”.
Para selar o pacto, o presidente pediu que os homens que o apoiavam levantassem as mãos e compartilhou uma memória pessoal de sua mãe, a quem creditou sua educação em dignidade: “Minha mãe dizia para mim, Lula, se você um dia tiver que bater numa mulher, é melhor que lhe caia as mãos”.
Ao final, o presidente foi enfático ao declarar que esta não é uma causa exclusiva do gênero feminino. “Essa luta não é das mulheres, é dos homens”, concluiu, transformando um evento focado em óleo e gás em um marco histórico na discussão sobre a dignidade feminina no país. O discurso na RNEST se consolidou como uma inesperada, porém urgentemente necessária, ruptura na pauta governamental, exigindo que a sociedade brasileira e, em especial, a parcela masculina, “crie vergonha”.
Veja o discurso de Lula sobre o assunto completo
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