“Vai ser na faca”: o áudio que antecipa mais um feminicídio em Vitória-PE
Depois de voltar da França, onde morava, Joana D’arc, 59, foi morta a facada pelo cunhado; vítima havia discutido com o irmão
Com informações de Rafalla Pimentel

Uma discussão por questões financeiras terminou em feminicídio em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata de Pernambuco. A vítima, Joana D’arc Rodrigues da Silva, 59 anos, conhecida como “Darkinha”, foi morta a facada na frente da casa da mãe, no bairro Redenção. Ela morava na França e havia voltado ao Brasil desde março.
O irmão dela, José Rubens Rodrigues da Silva, 55, e o companheiro dele, Adriano da Silva Pereira, 32, foram presos logo depois do crime. Os dois já passaram por audiência de custódia e preferiram não falar. A prisão em flagrante de ambos foi convertida na Justiça por preventiva nesta segunda-feira (5) e eles foram levados para um presídio localizado na própria cidade.
O crime

Era fim de tarde deste último domingo (6) quando a discussão se agravou. Testemunhas contaram que houve uma primeira briga dentro da casa. Rubens teria agredido o marido de Joana, que saiu ferido na cabeça. Depois, ele foi embora — mas voltou de moto, acompanhado de Adriano, que estava com uma peixeira.
Joana tinha saído para levar o marido à delegacia e depois ao hospital, mas voltou para pegar a bolsa na casa da mãe. Na calçada em frente a casa da mãe, dentro do carro, Adriano cravou uma faca no abdômen dela, após circular o veículo onde ela estava com o marido com a moto. A vítima foi levada ao Hospital João Murilo de Oliveira, mas não resistiu.
“Nem que eu vá preso, mas hoje ela morre”, contou uma vizinha ter ouvido uma das falas desferidas por Adriano.
Áudio da ameaça gravado pela vítima
Momentos antes do crime, Joana havia gravado um áudio. Na gravação, Rubens aparece revoltado por ser chamado de “ladrão”. A voz é tensa. Ele promete resolver “na faca”.
“Eu vou pegar logo uma faca e qualquer coisa vai logo na facada... Se eu sou ladrão, vai provar. Tu vais conhecer o Santanás”, diz o irmão, em tom de ameaça.
Em outro trecho, a mãe tenta apaziguar: pede que os filhos “vivam o resto da vida unidos”.
Rubens rebate: “Mas as fofoqueiras de satanás se juntam”.
O registro mostra não só a escalada da violência, mas a naturalização da ideia de matar uma mulher como resposta a um conflito doméstico.
Prisões e investigação
Quando Joana chegou ao hospital, Rubens foi reconhecido pelo marido da vítima nas imediações da unidade.
A polícia o prendeu em flagrante. Com base em sua confissão parcial, os agentes localizaram e prenderam também Adriano, apontado como autor do golpe.
O delegado Luiz Paulo dos Santos, da Delegacia de Homicídios de Vitória de Santo Antão, informou que o crime teria ligação com o cartão de aposentadoria da mãe, mas ele falou à reportagem que precisa ouvir mais testemunhas. No áudio vazado, ele protesta por ser acusado de roubar “Rafael”, um irmão que tem aposentadoria por ser surdo e cego de um dos olhos.
Os dois foram indiciados por feminicídio.
Aliança e violência

O caso expõe a complexa dinâmica entre afeto, poder e violência. Rubens e Adriano mantinham uma relação conjugal, confirmada por testemunhas. Voltaram juntos ao local do crime, já decididos a “resolver” a disputa. Um agiu como instigador. O outro, como executor.
O gesto — um golpe certeiro, desferido diante de testemunhas — evidencia aliança emocional e cumplicidade criminal.
A cultura da faca
A morte de Joana D’arc repete um padrão cada vez mais frequente no estado: feminicídios cometidos com arma branca, em meio a desentendimentos familiares.
O uso da faca, o tom de ameaça e a rapidez com que o ato ocorre revelam a masculinidade violenta, até mesmo entre homossexuais, como reflexo cultural.
Algo que atravessa estruturas sociais e pessoais. A irmã poderia ser denunciada por calúnia e difamação, por exemplo, mas a justiça de Rubem era a faca.
Os números
Em Vitória de Santo Antão, de janeiro a agosto, foram registradas 29 mortes violentas e intencionais. Não há dados públicos sobre quantos mortes violentas são casos de feminiciídio.
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