MPPE: Subtenente é denunciado por estupro e prevaricação em posto da BPRv em PE
Segundo a denúncia, policial se aproveitou da sua condição funcional e do isolamento do ambiente para constranger a vítima à prática de ato sexual
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE), por meio da 28ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, ofereceu denúncia à Justiça Militar contra um Subtenente da Polícia Militar, lotado no Batalhão de Polícia Rodoviária (BPRv), pelos crimes de estupro (art. 232 do Código Penal Militar) e prevaricação (art. 319 do Código Penal Militar). Os crimes teriam ocorrido nas dependências do posto policial no Cabo de Santo Agostinho, Região Metropolitana do Recife.
A denúncia que o Tribuna Online PE teve acesso nesta terça-feira (18) foi protocolada no dia 12 sob o n.º 0089387-80.2025.8.17.2001. O documento detalha que o policial se valeu da sua função e da vulnerabilidade da vítima, uma mulher de 48 anos, para cometer a violência sexual dentro do Posto 06 do BPRv, situado na Rodovia PE-60, no dia 10 de outubro de 2025, por volta das 22h00.
A abordagem e a condução ao posto
O caso iniciou-se em uma blitz de trânsito. A vítima, de 48 anos, trafegava em seu veículo, acompanhada por suas duas filhas menores e uma amiga, quando foi interceptada pelo denunciado.
O Subtenente teria informado à condutora sobre supostas pendências no licenciamento do veículo e na documentação, e após realizar uma ligação a um vendedor de carros (que seria o responsável pelo veículo), ele comunicou que o carro seria apreendido. Sob esse pretexto, ele ordenou que a mulher o acompanhasse ao interior do posto policial.
Antes de levar a vítima para o interior das dependências, o policial teria perguntado onde ela trabalhava e em qual bairro residia. O MPPE destaca que ele buscou averiguar o grau de vulnerabilidade da mulher, pedindo que ela ligasse para o marido. Ao saber que ela era divorciada, segundo a denúncia, o policial reforçou a sua sensação de impunidade para prosseguir com a conduta abusiva.
“A partir daí, ciente de que lidava com uma mulher sem um homem para contar, em via pública, durante a noite, e em condição de submissão diante da autoridade policial, o denunciado prosseguiu com a conduta abusiva, valendo-se do poder da farda para satisfazer seu instinto libidinoso, numa clara demonstração de premeditação e aproveitamento da vulnerabilidade da vítima", diz um trecho do documento.
A violência sexual nas dependências internas
O MPPE relata que, uma vez dentro das dependências, o denunciado a conduziu ao dormitório de uso da guarnição. Aproveitando-se da sua condição funcional e do isolamento do ambiente, ele apagou as luzes e constrangeu a vítima à prática de ato sexual.
A denúncia descreve que o policial agiu de forma violenta, contrariando a vontade da vítima, e prosseguiu com as agressões sexuais mesmo ignorando os apelos dela para que cessasse as investidas. Ele teria inclusive forçado a vítima a se abaixar e, em seguida, introduzido o órgão genital na boca da mulher até atingir a ejaculação.
Após o ato criminoso, o denunciado teria entregue uma toalha à vítima e ordenado que ela tomasse dois copos d'água, afirmando que era para "tirar a gala da boca", numa tentativa de destruir vestígios biológicos do crime.
O MPPE destaca que, após o crime, o policial ainda anotou o número de telefone da vítima e, de forma fria e controlada, afirmou que ela estava "liberada". Esse gesto é interpretado como uma tentativa do agressor de manter o controle sobre a ofendida.
Dormitório do BPRv com colchões manchados de sêmem
Um ponto crucial da denúncia são as provas materiais colhidas no local do crime. A análise dos depoimentos e provas demonstram a forma inequívoca com que a vítima descreveu o interior do alojamento.
O Laudo do Instituto de Criminalística n.º 52.244/2025 identificou diversas manchas biológicas no dormitório do Posto 06 do BPRv (esperma), local apontado pela vítima como cena do crime.
"O seu relato apresenta detalhes específicos como a existência de dois beliches dispostos em 'L', estrutura de ferro, ausência de forros nas camas, espaço reduzido, entre outros detalhes — que correspondem fielmente às características verificadas no Termo de Reconhecimento Visuográfico".
A análise preliminar revelou a presença de fluido seminal masculino em quatro colchões e em lençóis coletados no interior do cômodo, compatíveis com a presença de esperma. O Tribuna Online PE destaca que ainda não se sabe a quem pertence esses fluídos.
O MPPE, porém, frisa que a vítima descreveu o ambiente interno com detalhes, o que reforçou a credibilidade do seu depoimento e a materialidade do crime.
Explicando o crime de prevaricação
Além do estupro, o subtenente foi denunciado pelo crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal Militar. O MPPE argumenta que, ao abrir mão da aplicação da lei para conduzi-la ao interior do posto com o interesse de natureza sexual, o denunciado violou o dever inerente ao cargo.
O crime de prevaricação se configura pelo fato de o policial "retardar ou deixar de praticar ato de ofício com finalidade libidinosa", em desacordo com os protocolos e deveres da função militar.
O andamento do inquérito e testemunhos
O relato da vítima, que procurou a Delegacia da Mulher do Cabo de Santo Agostinho no dia seguinte, é considerado pelo MPPE como coerente, firme e encontra respaldo em outros elementos constantes nos autos.
Uma amiga da vítima, que a acompanhava no carro, confirmou a abordagem na blitz e o fato de a mulher ter demorado a retornar do posto policial, gerando uma "grande humilhação".
A denúncia ainda aponta a contradição entre a versão isolada do Subtenente – de que a vítima teria apenas o acompanhado ao bebedouro – e o relato da amiga e dos demais policiais militares ouvidos.
O MPPE destaca que o longo intervalo de tempo em que a vítima permaneceu dentro da unidade indica que a entrada não teve caráter rápido ou inocente, havendo tempo suficiente para o abuso.
O MPPE requer a condenação do Subtenente nas sanções dos art. 232 (Estupro) e art. 319 (Prevaricação) do Código Penal Militar, além da fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima. O processo segue para a Justiça Militar da Comarca do Recife.
O Tribunal de Justiça de Pernambuco foi indagado pela reportagem sobre os próximos passos do caso e divulgou uma nota.
"Informamos que o processo em questão tramita sob segredo de justiça, razão pela qual não é possível fornecer detalhes sobre seu conteúdo. Esclarecemos, contudo, que a denúncia já foi recebida pelo juízo competente e o feito encontra-se atualmente aguardando a citação do acusado."
Veja a nota na íntegra do advogado de defesa do réu, Teófilo Barbalho
"Gostaria de informar que o recebimento da denúncia pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco é um ato processual natural e faz parte da tramitação. Estamos tranquilos, pois essa decisão apenas formaliza o início do processo e não representa um juízo de mérito.
Tudo será devidamente comprovado na instrução processual. Inclusive, ressaltamos que a negativa de sêmen do meu cliente, Luciano Valério, já foi comprovada na perícia técnica realizada no vestido da vítima. Esse fato fundamental reforça que a verdade será estabelecida no decorrer dos autos".
O significado da denúncia do MPPE para a vítima
Para a advogada Maria Julia Leonel, o recebimento da denúncia pelo juízo da Justiça Militar representa uma "vitória" inicial, pois marca o início efetivo do processo judicial.
Segundo ela, mesmo que o Inquérito Policial Militar ainda não tenha sido concluído, o material probatório reunido pelo Ministério Público (MPPE) foi suficiente para verificar os indícios de autoria e materialidade necessários para dar início à Ação Penal.
Com o oferecimento e recebimento da denúncia, inicia-se a instrução processual, fase crucial onde o Judiciário irá decidir se, ao final, haverá uma condenação ou absolvição pelos crimes de estupro e prevaricação imputados ao denunciado.
A advogada fez questão de ressaltar, contudo, que a aceitação da denúncia não implica em condenação imediata, mas sim no início de uma fase onde as provas serão analisadas mais profundamente.
A defesa da vítima também abordou a questão da perícia de material genético, que não encontrou compatibilidade do sêmen detectado em mais de um colchão com o DNA do acusado.
Segundo a advogada, essa incompatibilidade não enfraquece a acusação, pois o ato sexual não teria ocorrido sobre a cama, mas sim com o denunciado em pé, e a ejaculação teria ocorrido na boca da vítima. Dessa forma, era improvável que houvesse material genético do denunciado nos colchões daquela maneira.
A advogada reiterou que vestígios de sêmen não são imprescindíveis para a imputação do delito de estupro, sobretudo porque é um crime que, em regra, não ocorre na presença de testemunhas e não necessariamente deixa vestígios. Ela enfatizou que a acusação se sustenta em outros elementos probatórios que confirmam a versão da vítima e que foram suficientes para embasar a denúncia do Ministério Público.
"A gente tem outros elementos probatórios que confirmam a versão da vítima, confirmam o ponto do Ministério Público ter esse sentido satisfeito para elaborar a denúncia", disse Maria Julia.
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