Entregadores do iFood acusam juiz aposentado de ofensas e agressão em Boa Viagem
Grupo protesta após cliente ofender entregador; polícia investiga o caso
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Um pequeno grupo de entregadores do iFood realizou um protesto na Rua Dona Benvinda de Farias, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, após alegarem que um dos profissionais foi ofendido por um juiz federal aposentado. A Polícia Civil já está investigando o caso para esclarecer o que de fato aconteceu.
O magistrado aposentado, Gustavo Cisneiros, teria solicitado um vinho pelo aplicativo e ofendido o entregador com palavras de baixo calão ao receber o produto, que, segundo o juiz, chegou com um atraso de uma hora. O Boletim de Ocorrência contra o juiz inclui acusações de lesão corporal dolosa, calúnia dolosa e injúria dolosa.
O pivô do caso foi o entregador Alexsandro de Lima Alexandre. Segundo ele, a distância da loja até o endereço é menor do que dois quilômetros.
“No caso, em 5 minutos eu cheguei aqui. Quando eu cheguei aqui, apertei o interfone, por algum motivo não pegou. Apertei outro interfone, por algum motivo não pegou e botei (pela mensagem) ‘Boa Noite’. Quando eu coloquei ‘Boa Noite’, ele retrucou com palavrão."
Alexsandro recebeu apoio de colega de profissão
Neste momento, de acordo com Alexsandro, um colega de profissão, Matheus Deivson Correia, estava passando e resolveu ajudá-lo após ver as mensagens que ele havia recebido do magistrado.
“Eu falei: ‘Matheus, o cara está me xingando aqui, do nada’. Nesse momento, ele começou a gravar tudo que aconteceu. Ele desce alterado, me xingando, falando que eu sou ladrão, que eu queria ficar com o pedido dele. A todo momento, eu só tentava entregar a entrega.”
Os entregadores afirmam que o juiz estava embriagado. “Estamos aqui de segunda a segunda, trabalhando, no sol, na chuva, nos arriscando, sofrendo acidente no trânsito, para acontecer um negócio desse. Só porque o cara é juiz, ele acha que é melhor que eu”, desabafou Alexsandro.
Juiz não quis dar o código exigido pelo IFood, diz Alexsandro
Indagado se havia deixado o pedido com o porteiro, como o juiz pediu, Alexsandro disse que não deu tempo. “Eu fui entregar ao porteiro. Só que nesse momento, ele já estava vindo. O porteiro pegou, mas eu falei com o porteiro que eu preciso do código. E ele (o juiz) chegou gritando. Eu falei: ‘irmão, se você não quer o pedido, a gente cancela, o iFood cancela, eu vou lá, retorno com o pedido para a loja’."
Segundo Alexsandro, neste momento o juiz aposentado começou a acusá-lo de querer roubar o pedido. “Eu falei, eu só quero o código, meu irmão. Foi nesse momento que ele agrediu (meu colega). E a gente fica nessa. Se fosse ao contrário, eu estava preso, não estava dando entrevista.”
Matheus afirmou que a Polícia Militar foi acionada, mas chegou ao local com truculência, pedindo que o grupo dispersasse. Ele registrou um Boletim de Ocorrência, alegando que o magistrado bateu em seu rosto e quebrou seu telefone porque ele estava gravando.
“Quando eu peguei o meu celular, meu equipamento de trabalho, ele continuou me batendo nas costas. E eu só pensei em correr, em correr, em correr. Quando eu me distanciei dele, ele voltou para bater no Alex. O porteiro pegou e conseguiu conter ele e botar ele novamente dentro do prédio”, relatou Matheus.
Trabalhadores de aplicativos estão unidos contra injustiças, segundo Matheus
Matheus também reforçou que os entregadores estão unidos contra injustiças e “nunca estão sozinhos”. “Esse pessoal pensa que é melhor que a gente só porque é estudado e fala bonito. Mas está tudo filmado e registrado”, afirmou ele. Segundo Matheus, após a filmagem, o juiz continuou agredindo Alex verbalmente. “Disse que não dá em nada, que a gente era entregador, não era nada. Que ele era juiz federal.”
Sobre a filmagem, Matheus comentou: “A gente sabe que não pode gravar ninguém sem a autorização da imagem. Porém, era o nosso único meio de defesa. Porque, se fosse ao contrário, como o Alex disse, a gente agora estaria atrás das grades.”
“Chamamos uma viatura que estava passando no local. A viatura chegou, os policiais foram atenciosos com a gente, mas não deram atenção. Depois, chegaram mais quatro viaturas. Pelo fato do pessoal estar reunido, os policiais chegaram com truculência, mandando a gente tirar a bicicleta da rua. E chegou já sacando arma. Como se a gente fosse bandido. A gente já tinha apanhado e chamou a polícia para defender a gente.”
O juiz federal deu a sua versão sobre o caso. “Está tudo registrado no iFood. Geralmente, os meus pedidos são deixados com o zelador ou vigilante. Aí eu tive que descer, pessoalmente, para resolver o imbróglio, porque ele estava agredindo verbalmente o vigilante”, destacou.
Juiz chamou entregador de iniciante, sem experiência e sem educação
De acordo com o juiz, o entregador deveria ser “iniciante”, “sem experiência” e sem “educação”. Chamou Matheus de “comparsa” de Alexssandro de Lima.
Indagado se teria agredido verbalmente e fisicamente os entregadores, o juiz falou que o fez em "legítima defesa", porque não tinha dado autorização para ser filmado. Ele citou o artigo 20 do Código Civil brasileiro, que proíbe a exposição ou utilização da imagem de uma pessoa sem permissão.
O artigo 5º,X da Constituição Federal também garante que a intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas, mas essa proteção não é absoluta e pode ser relativizada em casos de interesse público ou social, como a gravação de um crime.
“Eu agi em plena legítima defesa. Eu apenas me protegia da agressão que eu estava sofrendo. E a legítima defesa foi proporcional, porque ele veio acompanhado de um comparsa, de um amigo, exatamente para tentar armar aquele flagrante preparado.”
Juiz fala que filmagem estava "maldosamente" distorcendo o contexto
Questionado se, em algum momento, o entregador o agrediu fisicamente ou verbalmente, o juiz aposentado disse que foi ameaçado.
“Ele ameaçou que não ia entregar o produto. E, de fato, ele não entregou o produto. Significa dizer que ele descumpriu o acordo que ele tem com a Ifood. De certa forma, ele cometeu uma apropriação indébita, porque eu tinha pago pelo produto e ele se apropriou indevidamente do produto já pago.”
O magistrado também afirmou que a filmagem estava “maldosamente” tentando retirar do contexto tudo o que tinha acontecido. “Aí eu dei realmente um tapa para afastar o celular da minha direção. Eu não dei início a qualquer confusão. A confusão foi por ele não ter achado o local de entrega.”
Alexsandro, após a confusão, afirmou que levou o vinho para casa até que a plataforma decidisse o que fazer. O iFood orientou o descarte do produto. “Eu estou trabalhando todo dia. Como é que eu vou ser ladrão? Eu estou aqui para trabalhar. Eu não vou roubar o pedido, não.”
O que disse o Ifood?
O iFood, uma das maiores plataformas de delivery do Brasil, reafirmou seu compromisso com tolerância zero a ofensas, agressões, preconceito e assédio após um incidente envolvendo um de seus entregadores. A empresa divulgou que está conduzindo uma investigação interna para apurar o ocorrido e assegurar que sejam tomadas as medidas apropriadas.
O comunicado destaca que qualquer forma de comportamento inadequado, seja contra entregadores, restaurantes ou clientes, é inaceitável. A empresa está empenhada em resolver a situação de forma rigorosa e garantir um ambiente seguro e respeitoso para todos os usuários de seus serviços.
Veja a nota na íntegra
"O iFood não tolera qualquer tipo de ofensas, agressões, manifestações de preconceito ou assédio seja com entregadores, restaurantes ou clientes. O caso em questão está sendo apurado internamente para que a empresa possa tomar as medidas cabíveis".
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