Criminosos deixam carta à Raquel Lyra e prometem banho de sangue em presídio
Os autores do incêndio se dizem indignados com suposta cobrança de propina na unidade de Igarassu e até com o preço da maconha
Com informações de Rafaella Pimentel

Presos em liberdade provisória ou amigos de presidiários deixaram uma carta endereçada à governadora Raquel Lyra após incendiar um ônibus no Terminal de Cajueiro Seco, em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife. O crime aconteceu no fim da tarde desta terça-feira (8) e expôs — com uma mistura de denúncia e cinismo — o submundo que liga as ruas aos pavilhões do Presídio de Igarassu.
O coletivo da empresa Caxangá havia acabado de encerrar a viagem quando um homem subiu no veículo, espalhou gasolina nos assentos e ateou fogo. Fugiu em seguida na garupa de uma moto, sem ser identificado. O motorista do coletivo conseguiu registrar boletim de ocorrência e entregou aos investigadores a carta deixada pelos criminosos — uma folha de caderno escrita à mão, dirigida à governadora, repleta de erros, de pedido de socorro e absurdos, como reclamação do preço da maconha vendida lá dentro.
“Corrupção voltou ao presídio”
No texto, o autor reclama de suposta corrupção dentro da unidade prisional. Diz que presos estariam sendo obrigados a pagar R$ 10 “de taxa” para ter direito à faxina, e acusa “chaveiros” — detentos com poder sobre os demais — de negociar vantagens com a conivência do chefe de segurança.
A carta também cita a venda de maconha dentro do presídio, ao preço de R$ 50, e termina com uma ameaça velada para reforçar as denúncias: “Se isso não for resolvido, vai acontecer um banho de sangue.” O tom é de denúncia, mas o conteúdo revela a naturalização do crime — o preso indignado com a corrupção e com o alto preço da droga que ele próprio compra. Mas a ameaça continua sendo crime.
A carta foi encaminhada pelo Tribuna Online à Secretaria de Defesa Social (SDS), mas, até o fechamento desta matéria, não houve resposta.
Reação imediata dos rodoviários

Logo após o incêndio, o Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco decidiu recolher os veículos que circulam em Cajueiro e em outras três linhas próximas — Sítio Novo/Rio Doce, Chão de Estrelas e Campina do Barreto. Treze ônibus deixaram de rodar até o fim da noite, e a operação só foi normalizada na manhã desta quarta-feira (9).
“A gente foi solicitado e tivemos a iniciativa de ir para o terminal de imediato, dar apoio não só ao motorista, como a toda a categoria. Por segurança dos rodoviários e até mesmo dos passageiros, decidimos recolher as linhas”, afirmou Carlos Medeiros, secretário-geral do Sindicato dos Rodoviários. Uma decisão segura, mas que prejudicou os os passageiros que só tinham o cartão Vem como garantia de voltar para casa, dependendo destes ônibus.
“Não é o primeiro atentado. Já teve outros ônibus incendiados, como no Ibura, que também deixaram carta falando sobre o presídio. Cabe à segurança pública tomar providência, mas quem acaba pagando o preço é o rodoviário e o usuário.”
Um recado do submundo

Segundo o apresentador da TV Tribuna PE, Marwyn Barbosa, que exibiu a carta durante o programa, o texto denuncia um esquema de cobrança de propinas e tráfico de drogas nos pavilhões J e B do Presídio de Igarassu. Também cita agentes de saúde supostamente envolvidos na entrada de drogas.
A carta menciona nomes e repete práticas já investigadas pela Polícia Federal na Operação La Catedral, deflagrada anos atrás, quando agentes e um ex-diretor da unidade foram presos por facilitar a entrada de ilícitos.
O apresentador resumiu que os suspeitos do ataque ao ônibus não roubaram nada, não queriam dinheiro nem celulares. Chegaram de moto, tocaram fogo e deixaram a carta — uma espécie de manifesto do crime.
A polícia investiga
O ônibus incendiado foi levado para o Departamento de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Depatri), em Afogados, onde passará por perícia. A Polícia Civil informou, em nota, que instaurou inquérito para apurar o caso.
A Polícia Militar reforçou as rondas na área de Cajueiro e nos terminais próximos. Já a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seres), procurada pela reportagem, não se pronunciou sobre as denúncias.
Entre a denúncia e o delírio


O episódio mistura absurdo e tragédia, um retrato do Recife profundo — onde até o crime escreve cartas. O tom quase teatral dos incendiários é surreal: o criminoso que se considera vítima, o preso que pede justiça e o desconto no preço da maconha.
Enquanto o ônibus queimava no terminal, um mundo subterrâneo escrevia, com letras tortas e ameaças mal disfarçadas, o roteiro da sua própria decadência.
Veja matéria de Rafaella Pimentel no JT1, da TV Tribuna PE/Band
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