Pernambuco reconhece 10 novos Patrimônios Vivos: veja quem são
Pernambuco foi o primeiro estado brasileiro a criar uma política pública contínua para valorizar os mestres da cultura tradicional
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Eles resistem. Ensinaram com o corpo, com a voz, com as mãos. Agora, são reconhecidos. Pernambuco acaba de eleger dez novos Patrimônios Vivos. Nomes que sustentam a cultura popular com o suor de uma vida inteira.
A lista foi anunciada nesta quarta-feira (6), após reunião do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural, na Academia Pernambucana de Letras. Com os novos títulos, o Estado chega a 115 mestres, mestras e grupos oficialmente registrados.
Estão entre os eleitos: o maracatu que nasceu no terreiro, a sanfoneira que abriu caminhos, a fotógrafa da memória nordestina, o artesão da palha, o frevista que fez escola. Cada um, um mundo. Cada mundo, um elo da herança popular.

Os novos Patrimônios Vivos são:
Dona Maria Viúva (Maracatu de Baque Solto – Glória do Goitá),
Boi Tira-Teima (Bumba Meu Boi – Caruaru),
Mestra Mariquinha do Samba de Coco (Tupanatinga),
Maestro Edson Rodrigues (Frevo – Recife),
Mestra Joana Cavalcante (Maracatu de Baque Virado – Recife),
Maracatu Nação Raízes de Pai Adão (Recife),
Dona Dá (Carnaval – Olinda),
Mestre Lourenço (Artesanato de palha – Goiana),
Terezinha do Acordeon (Forró – Recife)
e Xirumba Amorim (Fotografia – Olinda).
Pioneiro no país, o título de Patrimônio Vivo garante pensão vitalícia e, em troca, o compromisso de transmitir os saberes às novas gerações.
“Além do reconhecimento, essas pessoas e grupos assumem a responsabilidade de manter viva a tradição”, disse Renata Borba, presidente da Fundarpe.
A tradição segue. Reinventada, ensinada, vivida.
SOBRE OS NOVOS PATRIMÔNIOS:
1. Boi Tira-Teima
Fundado em 1922, o grupo é um dos ícones da cultura popular de Caruaru. Nasceu sob a liderança de Mestre Gerson, que passou o legado à esposa Dona Lindaura e ao filho Mestre Roberto Gercino. Com uma história centenária, o Boi segue ativo, promovendo educação e cultura. Marca presença em festivais, escolas e projetos formativos. Foi reconhecido recentemente como Ponto de Cultura.
2. Dona Dá
Nasceu no Recife, em 1938, mas foi em Olinda que fez história. Tornou-se uma das figuras mais emblemáticas do Carnaval da cidade. Recebeu o título de Cidadã Olindense pelo papel na cultura local. É símbolo vivo da ponte afetiva e artística entre Recife e Olinda.
3. Dona Maria Viúva
É mestra do Maracatu Estrela da Tarde, fundado por ela em seu próprio terreiro, em 1977. Dedicou a vida à salvaguarda do maracatu de baque solto. Ensina por meio da oralidade e da prática coletiva. Respeitada por sua liderança, é referência na cultura afro-indígena do Estado.
4. Mestra Mariquinha
Desde criança, dança o Samba de Coco. Com a morte dos antigos mestres, assumiu a liderança da tradição em Tupanatinga. Tem memória forte, repertório vasto e um talento raro para ensinar. Mesmo com a saúde fragilizada, segue repassando o saber às novas gerações.
5. Maestro Edson Rodrigues
É maestro, instrumentista, arranjador e educador. Autor de “Duas Épocas”, frevo clássico de 1965. Fundou a Banda Municipal do Recife. É personagem do documentário Sete Corações. Formou músicos e construiu uma carreira dedicada ao frevo.
6. Maracatu Nação Raízes de Pai Adão
Nasceu em 1998 no Terreiro Obá Ogunté, sob a liderança dos descendentes de Pai Adão. Une o maracatu de baque virado à espiritualidade de matriz africana. Há nove gerações mantém viva a tradição yorubana. Atua com força na cultura e no social.
7. Mestra Joana Cavalcante
É a primeira mulher a comandar uma Nação de Maracatu, o Encanto do Pina. Rompeu barreiras no baque virado e fundou o Baque Mulher — um movimento de empoderamento através da cultura. Leva oficinas, shows e projetos sociais para mulheres e jovens, dentro e fora do Brasil. No tambor, faz da arte um ato de resistência.
8. Mestre Lourenço
Transforma palha de Cana Brava em arte. Aprendeu sozinho. Moldou técnicas, criou sustento e fez escola. Seus cestos e objetos são tradição viva de Goiana. É Mestre Artesão desde 2013. Um símbolo da inteligência das mãos e da força de quem não deixou o ofício morrer.
9. Terezinha do Acordeon
Quebrou o silêncio dos palcos para as mulheres sanfoneiras. Começou menina. Gravou dez discos, viajou o mundo, fundou o Bloco Sanfona do Povo. Também lidera a Orquestra Sanfônica de Pernambuco. Faz forró com maestria e solidariedade: atua em projetos sociais e comunitários.
10. Xirumba Amorim
Fotógrafo, cronista e artista da memória. Há mais de meio século registra o povo, a rua, o grito. Suas imagens atravessaram fronteiras, mas nasceram do chão nordestino. Mesmo doente, continua a produzir. Sua obra é farol e espelho de uma cultura viva, sofrida e resistente.
Um programa pioneiro de salvaguarda cultural
Pernambuco foi o primeiro estado brasileiro a criar uma política pública contínua para valorizar os mestres da cultura tradicional.
A Lei nº 12.196, de 2002, criou o Registro do Patrimônio Vivo (RPV-PE), que reconhece oficialmente grupos e mestres populares. O título vem com uma pensão vitalícia. Em troca, os contemplados devem repassar seus saberes em oficinas, cursos e vivências apoiadas pela Secretaria Estadual de Cultura. É uma forma de garantir que os conhecimentos não morram com seus guardiões.
A princípio, apenas três nomes eram escolhidos por ano. Mas o número cresceu. Em 2016, a Lei nº 15.944 elevou as bolsas para seis. Em 2021, uma nova mudança: a Lei nº 17.489 passou o limite para dez.
A política se consolidou. Tornou-se exemplo. E ampliou a presença de mestres e mestras reconhecidos em todas as regiões do Estado.
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