O chão que ensina
Há um chão no Janga, bairro de Paulista, cidade da Região Metropolitana do Recife, que ensina mais que muitos livros. Um chão coberto por tatames rosa e azul, cercado por paredes que pedem reforma, mas que já abrigam mais de setenta sonhos em movimento. É ali, em um espaço ainda pequeno, que Horrana Sales, 33 anos, vem ensinando meninas, meninos e mulheres a lutar — e a se reconhecer fortes.
O nome do projeto é simples: “Esportes para Todos”. Mas o que acontece dentro daquele dojô vai muito além de um treino. É sobre o corpo que aprende a cair e levantar, sobre o medo que dá lugar à confiança, sobre a mulher que volta pra casa com o coração seguro, pronta pra recomeçar.
O chão, nesse canto do Janga, é a professora. Pelo que percebi, Horrana acolhe, ensina, desafia e, sobretudo, transforma. As aulas são dadas de forma gratuita para quem não pode contribuir.
O início: coragem em tempos de incerteza
O projeto “Esportes para Todos” nasceu quando o mundo ainda tentava se reerguer da pandemia, em 2021. Em um tempo em que os corpos estavam saindo do confinamento e os abraços estavam só na lembrança, Horrana decidiu que queria ensinar contato — não de violência, mas de cuidado e disciplina.
Ela mesma havia conhecido o Jiu-Jitsu ainda menina, aos 11 ou 12 anos, em um projeto social no interior de Pernambuco, em Pombos, onde morou por quatro anos. E foi ali, no tatame, entre quedas e risadas, que a menina tímida descobriu o que era força. Seu mestre, então, era Daniel.
“Eu tive meu primeiro contato com o jiu-jitsu com 11 pra 12 anos de idade, e foi em um projeto social, e me apaixonei, então, a vontade de continuar com esse trabalho já era existente dentro de mim, e essa vontade só foi crescendo, até que tomei a coragem de tentar, e levar o jiu-jitsu para outras pessoas através do meu projeto. Eu sou outra pessoa, hoje eu incentivo e direciono pessoas.”
Foi com essa coragem que, no fim de 2021, Horrana abriu o portão da casa de familiares e estendeu os tatames. O espaço era pequeno, a estrutura improvisada, mas o sonho — esse era largo.
Primeiros passos: a luta antes da luta
“O começo foi difícil. Faltava estrutura, apoio, mas sobrava vontade. A gente treinava com o que tinha, e cada aluno que chegava era um motivo a mais pra continuar. Eu sabia que, de algum jeito, o jiu-jitsu ia transformar aquela realidade, e transformou, a vontade, persistência e união de todos foi o segredo de tudo.”
Não havia patrocínio, nem há (ainda). Os quimonos eram comprados com muito esforço, os tatames foram conquistados pouco a pouco e instalados num espaço improvisado na casa de um familiar. Ainda assim, o projeto cresceu. E cada faixa amarrada na cintura de uma criança era uma semente plantada no chão.
As aulas se multiplicaram. Vieram as turmas infantis, depois as aulas exclusivas para mulheres. O dojô ganhou cheiro de infância e som de superação.
O empoderamento nasce descalço
Treinar descalço é parte do Jiu-Jitsu. É também um símbolo. Ali, o pé que toca o chão parece dizer: “eu pertenço”.
“Ver mulheres no tatame é uma das maiores alegrias da minha vida, porque sei o que significa ter medo, duvidar da própria força, e mesmo assim seguir. Cada mulher que amarra a faixa e pisa no tatame prova pra si mesma que é capaz. Já vi alunas que chegaram tímidas e hoje inspiram outras. Isso é empoderamento, encontrar poder onde antes existia medo.”
No dojô, o empoderamento não se aprende em frases prontas. Ele nasce suado, com a queda, com o joelho que raspa o tatame, com o olhar de quem não desiste. Horrana diz que o Jiu-Jitsu é o caminho da confiança. É o instante em que o corpo entende que a força mora dentro.
O Janga por outro ângulo
O projeto mudou a comunidade. Onde havia desconfiança, hoje há pertencimento. Onde faltava disciplina, há rotina.
“O jiu-jitsu mudou o Janga de dentro pra fora. As famílias começaram a se envolver, as crianças ganharam disciplina, e as mulheres se sentiram pertencentes. Hoje o dojô é mais que um espaço de treino, é uma extensão da nossa casa, um lugar onde a força se compartilha e o afeto também luta.”
As mães acompanham os treinos e vibram com as medalhas. As vizinhas, antes curiosas, agora ajudam com rifas e campanhas. O dojô virou ponto de encontro. E cada criança que sobe ao pódio é vista como uma vitória coletiva.
Os desafios continuam
O espaço, no entanto, ainda é pequeno. As paredes cor-de-rosa pedem tinta nova, e o tatame já sente o peso do tempo.
“O maior desafio é manter tudo de pé sem apoio fixo. A falta de patrocínio e a necessidade de reforma pesam, atualmente estamos fazendo rifas para reformar e ampliar um pouco nosso espaço, e está sendo um desafio. Todos estão se movendo para alcançarmos nossos objetivo, é uma luta difícil, mas o amor pelo que fazemos é o que sustenta o projeto. Cada mulher, cada criança que não desiste, me lembra por que eu não posso parar.”
Mesmo assim, o “Esportes para Todos” não recua. É um exército de corpos pequenos e corações imensos, resistindo com a mesma disciplina que o Jiu-Jitsu ensina.
As vitórias que não cabem no pódio
“Ver nossos pequenos subindo ao pódio e trazendo medalhas é emocionante, mas o maior prêmio é ver a mudança dentro deles. A confiança, o brilho no olhar, o orgulho das mães, é isso que dá sentido a tudo.”
O projeto já participou da Copa Kids, do Campeonato Pernambucano, da Blackbull e até em competições fora do Estado. Mas Horrana não mede sucesso em ouro ou prata. Para ela, a vitória acontece no instante em que uma criança volta pra casa de cabeça erguida — porque aprendeu a se defender, porque se descobriu forte.
O chão como metáfora da vida
“Fora do tatame sou mulher, filha, amiga, aluna, professora, alguém que também tem medos e cansaços. Mas no tatame eu me reencontro. Ali eu lembro que a vida é como o jiu-jitsu: a gente cai, ajusta e levanta, sempre com o coração em guarda.”
Essa é a filosofia que move Horrana. O chão que derruba é o mesmo que ensina a levantar. E é por isso que ela insiste — mesmo quando o patrocínio não vem, mesmo quando a conta não fecha.
A cada treino, o chão do dojô se torna espelho da própria vida: firme, acolhedor e desafiador.
A nova fase
Recentemente, Horrana recebeu um convite para implantar um novo projeto de Jiu-Jitsu voltado para mulheres em outra comunidade do Janga. É o reconhecimento de uma jornada que começou com poucos tatames e hoje ecoa como exemplo de empoderamento e resistência.
Para ela, empoderar uma mulher é fazê-la acreditar que pode. O jiu-jitsu desperta essa força silenciosa que mora dentro de cada um. É sobre aprender a se defender, mas também sobre aprender a se enxergar com coragem.
Horrana sabe que, se o chão ensina, o tempo também recompensa. Cada gesto de solidariedade, cada rifa vendida, cada treino que termina com abraço, é o que sustenta o sonho.
A mensagem
“A cada brilho no olhar de um aluno, meu coração enche de alegria e de mais vontade de continuar esse trabalho. Pra toda mulher que duvida da própria força, eu diria: não espere estar pronta. Comece. O tatame ensina que a força não vem antes, ela nasce no caminho, e quando você percebe, já se tornou tudo o que um dia achou que não conseguiria ser.”
Talvez seja essa a maior lição que o Jiu-Jitsu dá — e que Horrana repete todos os dias, sem precisar de microfone nem palco: a luta nunca é contra o outro, mas a favor de si mesmo.
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💳 Como ajudar: participe da rifa solidária ou faça uma doação: [email protected]
📲 Instagram: @esporteparatodosss
📍 Local: Avenida Claudio Gueiros Leite, 2234, Paulista – PE
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