Qual deve ser a relação entre Trump e Lula?
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Já deu pra notar o quanto Donald Trump, há oito meses no cargo, mudou a forma de se relacionar com o mundo. O presidente americano quer mostrar a todos quem tem a força. Fala com seus interlocutores com ar de superioridade. Na semana passada, voltou a disparar contra o Brasil. Aos jornalistas, ele disse que nosso país tem sido “um péssimo parceiro comercial” e acusou o governo Lula de estar tratando o ex-presidente Jair Bolsonaro de maneira injusta. Trump aparece sempre com um ar de deboche quando se refere aos países que ataca. Ele não percebe a gravidade que podem ter as palavras proferidas pelo presidente da maior potência militar e econômica do planeta.
Lula acerta quando diz que não vai se humilhar diante de Trump. E voltou a repetir isso na recente visita que fez a Pernambuco. Nenhum chefe de estado precisa se humilhar, por mais poderoso que seja o interlocutor. Um encontro entre dois presidentes deve ser um encontro entre iguais, sem nenhuma relação de submissão. Submissão essa, aliás, que Jair Bolsonaro e seus filhos parecem entender como necessária. Foi assim durante o mandato de Bolsonaro. E é assim hoje, com o comportamento que Eduardo Bolsonaro adota quando se refere aos Estados Unidos.
Trump precisa entender que não pode se intrometer em questões internas do Brasil. As tarifas de 50% aplicadas aos produtos brasileiros estão claramente carregadas de ideologia política. Não têm nenhuma relação com o comércio entre os dois países. O americano se vale de informações falsas e as difunde sem constrangimento, como quando afirma que a relação comercial entre os dois países é vantajosa para o Brasil. Quando se sabe que há anos a balança comercial pende para o lado de lá.
O que vem por aí - O Brasil deve continuar tentando negociar com Washington. A conversa inicial precisa ser entre diplomatas, ministros e empresários dos dois países. Não necessariamente entre os dois presidentes. Esse diálogo só deve ocorrer quando se tiver certeza de que será respeitoso, com os dois lados querendo chegar a um acordo. E não que um dos países queira ditar regras para o outro. O Brasil tentou. Não esqueçam que foi o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, quem desmarcou o encontro que teria com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na quarta-feira passada.
Em vez disso, Bessent preferiu receber, no mesmo dia, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro e o jornalista Paulo Figueiredo, ambos empenhados em acirrar a perseguição comercial, nem um pouco preocupados com o que isso possa representar para o Brasil e os brasileiros.
Enquanto não resolve os atritos com os Estados Unidos, o Brasil busca ampliar o comércio com outros países. Esse incremento deve ser buscado sempre, mas é sabido que relações comerciais não se constroem de uma hora para outra. As conversas com outros parceiros devem ser incentivadas mesmo que as tarifas voltem ao patamar anteriormente praticado. O atual episódio serviu para mostrar que não podemos depender tanto do comércio com um único país.
Há quem critique Lula pela forma como tem se comportado com Trump. Ora, os dois presidentes não precisam ser amigos. Nunca foram. Mas as atitudes de Trump para com o Brasil não fazem supor que Lula receberia um tratamento digno por parte do colega americano. Não faltam exemplos. O maior deles foi a maneira grosseira e arrogante com que Trump tratou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em fevereiro. Depois disso, veio o encontro entre Trump e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa. Mais uma vez, não vimos nenhum exemplo de boas maneiras. Ou seja, não há motivos para imaginar que Trump seria um modelo de anfitrião num eventual encontro com Lula.
O Brasil tem uma relação diplomática com os Estados Unidos há mais de duzentos anos. E essa relação sempre foi respeitosa. Mesmo nos períodos em que os presidentes de cada lado tinham ressalvas políticas quanto à condução do outro. Faz parte do jogo democrático.
Infelizmente, temos visto que os Estados Unidos agora não estão preocupados com a democracia. Justo eles que, até recentemente, eram considerados a principal democracia no mundo. A maneira como Trump tem se comportado, mesmo internamente, é um claro indício de que a democracia, hoje, não é uma prioridade para Washington. Basta ver os confrontos com grandes universidades americanas, a prisão de parlamentares democratas que se arvoram a criticar Donald Trump, e o tratamento dispensado aos imigrantes.
Na relação atual entre Brasília e Washington, o que tem prevalecido é a afronta. O caminho para que se chegue a um consenso não pode ser esse, pois não é com ira que se avança rumo à paz.
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